Páginas

domingo, 27 de setembro de 2015

AMIGO TEMPO



   O rapazola tocava os pés com as mãos; agora elas só chegam ao meio da canela.
   Obrigado, amigo, por me lembrar que quanto mais a gente se alonga, mais você se encurta.
   Obrigado por me deixar rever, no álbum de fotos, a carinha bonita que eu tinha os nove anos...
   Obrigado por trazer e levar tantos amigos, me dando a saudade que tanto e nada dá.
   Obrigado por me dar netos, eu menino repetido e variado.
   Afinal, amigo é para essas ironias; me mostras enfim o menino que deixei de ser e, através dos netos e dos bisnetos e seus filhos e netos, sempre serei.
   Obrigado por me deixar chegar a um tempo em que pobre descobre que só trabalhando vai viver bem: é a Bolsa-Tempo...
   Obrigado por dar tempo aos erros para se corrigirem, como também tempo aos acertos para não se exibirem, ou já começarão a errar.
   Obrigado por domar o garanhão que queria todas as mulheres do mundo, mostrando que só fiel pode merecer a melhor mulher.
   Obrigado por curar as feridas e fazer ver com carinho as cicatrizes.
   Obrigado por deixar ver que há dias malditos e dias felizes, mas todos são dias a ser vividos.
   Obrigado por ensinar que a melhor forma de merecer é, antes de tudo, agradecer,
   Obrigado por mostrar que só o trabalho constrói e o Estado constrói muito menos do que suga, obrigado por ensinar que é vital eliminar  parasitas e sanguessugas. Ciências.
   Obrigado pelas orquídeas, que tanto florem com tão pouca terra, e pela hera, que tanto agarra a vida, e pelos urubus que, apesar de comerem carniça, voam soberbos e altivos.
   Obrigado, amigo, pela sede, que nos renova o prazer da água, e pela fome, comunhão diária com que nos alentas e nos consome.
   Obrigado pelas estrelas, a apontar nossa infinita pequenez, e pela lesma, a nos mostrar sua lerda rapidez.
   Obrigado pelo cão que me olha com amor, o passarinho que saltita na grama, nas nuvens que, sem parecer que mudam, mudam sem parar.
   Obrigado pelo olhar de ternura da minha mulher, o choro obstinado do bebê, o aperto de mão caloroso, o afeto sincero, o tropeço oportuno.
   Obrigado pelo poente rubro, onde descubro paz de repente.
   Obrigado pela linguagem que nos destes, lá no tempo das fogueiras e das cavernas. E que hoje lançamos ao mundo pela internet.
   Obrigado por mais este dia, pela graça da poesia, e pela fumaça com cheiro de café torrado da chácara vizinha.
   Obrigado por tudo e por cada coisinha, pela xícara trincada e pela jóia  perfeita, tudo que foi e tudo que será feito.
   Obrigado  por existires, amigo, ou nada existiria. Fica com Deus, ou melhor, sejamos Deus, nas suas tantas formas de ser.
   Obrigado, Tempo, pelas trevas e pela luz, inseparável amigo que para além do tempo nos conduz, obrigado. ( Crônica do escritor Domingos Pellegrini, página 21, cultura, espaço DOMINGOS
  PELLEGRINI d.pellegrini@sercomteL.com.br  facebbok.com/escritordomingospellegrini domingo, 27 de setembro de 2015, publicação do JORNAL DE LONDRINA)

Nenhum comentário:

Postar um comentário