Páginas

sábado, 15 de agosto de 2015

FRANGO ATROPELADO




   Todas as terças e quintas-feiras, eu colocava a mochilinha nas costas e caminhava até o clube. Quando se é criança, o mundo é muito maior e aquele era meu mundo, inabalavelmente feliz. Subia a montanha e me punha encantada com cada singularidade. Eram outros tempos, os anos 1980. Hoje em dia, não se pode deixar crianças caminharem sozinhas para lugar algum. Que triste! Quanta aventura e descoberta eu teria perdido sem aquelas manhas.
   Certa vê, quando eu já conhecida meu caminho de cor, mudei. Peguei um atalho. Não atalho porque, no fim, o caminho era mais longo. Mas nele haveria coisas novas para conhecer. E foi assim que surgiu a maior e mais longa dúvida da minha vida. Bem próxima da viela que dava acesso ao clube, havia uma casa verde com portão branco, em cujas grades, uma placa: “Vende-se FRANGO ATROPELADO’.
   Eu não sabia o que era um frango atropelado, a não ser o óbvio, um frango que colidiu contra um veículo. Mas, por que alguém venderia os coitados após seu infortúnio. Ó céus!
   Por inúmeras recomendações maternas (não fale com estranhos; não pare no caminho; não se atrase para a aula; seja boazinha), eu contive o impulso de bater palmas e resolver a questão. Por um tempo, passei pela casa todos os dias. Estava focada. Se encontrasse alguém ali em frente, eu perguntaria. Não encontrei. Me neguei aceitar e procurei em todfo meu pequeno mundo alguém que soubesse a resposta. Não encontrei.
   Com raiva, inventei histórias de assustar obre a casa vazia, no topo da montanha, que vendia frangos atropelados. Não pegou. Incentivei um amigo a encontrar a resposta pr mim. Sem sucesso.  Então aceitei.  Sinto dizer que os anos se passaram, a obsessão infantil trocou de lugar com as preocupações da puberdade e, depois, na vida adulta, eu nunca soube o que era um frango atropelado.
   PS: vinte anos depois, eu dirigia pelas ruas vizinhas, bem diferentes do que me lembrava da infância. Pare a pedido da minha mãe, que desceu do automóvel e iniciou um conversa em frente a uma casa. Algo me pareceu familiar. Um verde sem vida, desbotado pelo tempo, portões brancos corroídos pela ferrugem e uma placa, onde se lia com dificuldade a frase: “Vende-se FRANGO ATROPELADO”.
   Saltei do carro num pulo e corri em direção à minha mãe que esta recebendo um pacotinho de de chá de hibiscos de um senhor com olhar jovial e aparência ferida por anos de trabalho n indústria. “Você vende frango atropelado” – perguntei. “Não mais, fia. Não faço isso há alguns anos”.
   Minha mãe me olhou estranho. Minha pergunta era surreal, já que eu não como carne de frango desde pequena. Mas eu precisava saber. “Me responda uma coisa, o senhor. O que é um frango atropelado?. E, enfim,  eu soube. (PATRÍCIA MARIA ALVES, jornalista na FOLHA, página 2, espaço DEDO DE PROSA,  FOLHA RURAL, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 15 de agosto de 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário