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terça-feira, 14 de julho de 2015

SOBRE A ESCRITA FEMININA



   Vira e mexe,  volta à tona a discussão sobre a “literatura feminina”. Agora foi na Flip, que aconteceu em Paraty (RJ)  na semana passada e reuniu numa mesa de debates os escritores Daniel Galera, Joca Reiners Terron e Ronaldo Bressane.  Não é de hoje que o tema demanda discussões e, desta vez, foi parar numa mesa composta só de homens que justificaram de várias formas por que não aceita a designação e  existência da “literatura feminina”.
   Em décadas passadas este tipo de literatura era identificada como uma escrita onde se evidenciavam temas também considerados femininos, com as mudanças  dos costumes os papéis se confundem de forma que a mulher não está mais restrita a funções domésticas, para suprir as necessidades básicas de cuidado, alimentação e higiene. Elas também vão à luta e faz tempo que ganharam (ganharam?) aquilo que se chama jornada dupla: trabalhando em casa e fora dela, tendo em alguns casos a ajuda dos homens. Mas não é segredo para ninguém que ainda sobra bem mais para elas.
   Da minha parte, nunca limitei a literatura feminina como sendo aquela açucarada, que fala de menstruação, filhos e culinária, lidar com esse conceito me parece anacrônico. Sempre a entendi como um discurso enfocando o lugar de onde a mulher fala e sempre entendi que homens e mulheres podem fazer literatura feminina assim como podem fazer literatura gay ou qualquer outra na qual um discurso apareça como leitura peculiar do mundo.
   No entanto, na Flip isso foi negado, por exemplo, por Daniel Galera que explicou assim: “A ideia de literatura feminina  ainda é muito forte e essa ideia sempre foi errada. Ela é mais errada hoje em dia. Quando eu entendi isso ficou fácil”, disse ele, que, referindo-se ao seu novo livro, onde há uma personagem feminina, completou: "Escrever do ponto de vista de uma voz que é de gênero, de uma orientação sexual que seja oposta, não tem nenhum mistério (...)    Se é sobre uma criança ou sobre um velho que tem 80 anos, o desafio que você tem pela frente é o mesmo.  Isso  leva a entender que a ideia de um discurso feminino na ficção não existe”.
   O debate na FLIP na verdade tinha como tema “Território Literário” e quando a literatura feminina desembarcou por lá, foi negada pelos três debatedores, ficaria repetitivo colocar três  exemplos aqui. Mas sobre esse possível discurso feminino ou “fêmea” – que reconheço tão logo começo a ler Clarice Lispector, Olga Savary ou Virgínia Wolf – gosto mais das considerações do crítico Nelson de Oliveira, que defende a escrita feminina como linguagem, ressaltando sempre que homens também podem escrever como mulheres.
   Diz Nelson de Oliveira que a escrita visionário de Ana Cristina César, Murilo Mendes, Uilcon Pereira e Hilda Hilst permite “ perceber que boa parte da literatura transgressora do século XX ( o mais transgressor dos séculos), mesmo tendo sido escrita por homens, representou o triunfo do discurso feminino: antiracionistas, confessional, fragmentário, desvairado, xamântico”. Ele também observa que, “os conceitos de masculino e feminino deixam de provocar desconforto quando incluídos nesse grupo de elite, do qual apenas os grandes conceitos polarizadores fazem parte. Tudo porque agora a literatura feminina não está mais reduzida a algo pequeno e ocasional: os ovários e o útero. Ela não é somente mais um subgênero entre subgêneros ( literatura policial, erótica, fantástica, de horror, de ficção científica). Ela é algo muito maior: é uma poética. Ou seja, ela é agora um dos muitos estados possíveis e excludentes da literatura  e da arte. O mesmo raciocínio vale para a poética negra, a poética gay e a poética carcerária!.
   Mesmo que isso não baste par encerrar uma discussão sempre em aberto, o ponto de vista de Nelson de Oliveira aponta para uma questão de linguagem, mostrando que o discurso feminino é diferente do masculino e que isso não representa, absolutamente, um juízo de valor. E viva a diferença!. ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI  celiamusilli@terra.com .br  FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI,publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 12 de julho de 2015).
ilst  H

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