Páginas

domingo, 19 de abril de 2015

OS PROTESTOS COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL





   Muita gente critica o comportamento das pessoas nas manifestações de rua contra  ou favor do governo. Não criticam exatamente as reivindicações,  mas o comportamento bizarro dos que vão  às ruas usando os clichês de praxe, ofendendo a oposição – seja de que lado for – ou se fantasiando como se estivessem num carnaval. Alguns acham que isso ridiculariza ou tira o caráter sério de uma manifestação política. Oportunistas recortam as piores cenas de cada protesto para provar que de um lado estão todos os “golpistas” contra o governo, de outro os “psicopatas” da esquerda. As redes sociais estão cheias de exemplos assim e não me simpatizo com as técnicas dos recortes, eles deixam de reproduzir o que realmente interessa ou deseja a maioria para focar em desvios e excentricidades.  Não tenho dúvida de que recortar imagens é apenas um simulacro.
   Independentemente  de posições políticas, acho que o exagero de ópera  bufa é um traço típico do coletivo hoje no Brasil, seja em passeata  ou em qualquer concentração pública. Tomando por outro contexto de análise, não consigo mais ir a bares, a zoeira supera qualquer tentativa de convívio, qualquer tentativa de entendimento ou de conversa. A reação histriônica no meio coletivo,  na minha opinião, é mais cultural do que política. As passeatas  no Brasil tornaram-se  extensões  disso, o brasileiro prefere se expressar sempre de forma carnavalesca. Em qualquer manifestação haverá exageros – da faixa ofensiva ao nu sem contexto -, o que não significa que os exagerados correspondam ao sentido geral do que se reivindica. Está tudo realmente histriônico, as passeatas pró-governo talvez sejam um pouco mais comedidas porque são pautadas por normas sindicais e palavras de ordem, enfim, um rito político de esquerdo também anacrônico. Tenho a impressão de voltar aos diretórios estudantis com chatos alugando os megafones para  discursos que ninguém ouve mais pela saturação. “O povo unido jamais será vencido” é um bordão que me vence pelo cansaço.
   No geral, o comportamento da sociedade brasileira assusta qualquer pessoa que queira manter um mínimo de bom senso, em programas de televisão ou nas ruas, é tudo um imenso  auditório. Na política, os próprios candidatos  durante anos carregam trios elétricos e shows para seus comícios, até serem proibidos. Falta concentração também nas igrejas.  No domingo de Páscoa fiquei constrangida ao ter os braços para  “coreografar” antes da comunhão. Sou tímida para algumas demonstrações de alegria. Mas o que fazer se a pessoa ao lado pega sua mão como se pegasse a mão de Jesus?  Recusar, no mínimo, seria um gesto antipático ou de gente  mau humorada.
   Já as ruas parecem um auditório de TV, uma espécie de show business empobrecido.  Não associo isso a uma tendência específica – direita ou esquerda – mas alguns aproveitam a bizarrice dos outros para demonstrar que “eles são mais mal informados ou mal educados que nós”, o que significa uma instrumentalização do exagero ou da ignorância. Pessoas fantasiadas, frases de mau gosto, erros fenomenais de raciocínio ou mesmo de português. Apenas entristeço ao ver nossos rumos culturais e políticos, o quanto falta de senso crítico à Pátria Educadora que não vinga nunca, reflexo de um empobrecimento cultural como um todo. Vale ressaltar que não se trata de uma questão de renda,  há ricos e pobres histriônicos ou perversos fazendo chacotas com a escolha do outro, o que para mim é a pior parte. A fantasia eu tolero, às vezes até me diverte, a ofensa não. O que existe é uma falta de respeito com a alteridade, uma falta de tolerância, uma comunicação empobrecida para marcar e defender escolhas. Isso não é mero maior ou menor de uma facção, apenas quanto maior a concentração, maior o problema. Mas talvez estejamos nos primórdios da expressão popular da política nacional depois de tudo. ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI,  celimusilli@terra.com.br caderno FOLHA 2, página 4, espaço CÉLIA MUSILLI, publicação do jornal FOLHA DE LONDRRINA,  domingo, 19 de abril de 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário