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domingo, 26 de abril de 2015

O LOUCO DO BAIRRO



   Plantado no meio do cruzamento, o louco do bairro é contador dos carros que vão e dos carros que vem.
   Os que vem, conta  na mão esquerda, dedo a dedo; os que vão, na mão direita, fechando cada mão depois que estica o quinto dedo, então começa a contagem de novo, carro a carro, dedo a dedo.
   Se alguém pergunta se está contando os carros direitinho, ele  faz caretas e gestos aflitos de que não pode falar, está contando os carros!
   E também é fiscal do tempo, quando cansa de contar os carros que, mesmo tão bem contadinhos, continuam sempre a passar.
   Então vai andando pelo bairro, olhando tudo e nada, cabeça sempre girando mas olhar vago.
   Fiscaliza, antes de tudo, se o tempo está passando como sempre.
   Ou se o tempo parece que não está passando ou demorando a passar.
   Se  está sobrando tempo ou faltando tempo.
   Como estão os passatempos e os contratempos.
   E, sempre anotando tudo na caderneta de vento, não só fiscaliza como também passa a in-ves-ti-gar o tempo!
   Aonde foi parar o tempo que passou, que é que aconteceu com o tempo perdido,  e que fim levaram os tempos dourados?
   Se  vai fazer bom tempo ou mau tempo, e que  tempo faria se não tivesse feito o tempo que fez.
   Porque tem tanta falta de tempo enquanto também sobra tempo?
   Porque às vezes fecha o tempo, e porque o tempo sempre abre depois de um tempo?
    Quem é que está dando um tempo e pra quem, e quem é que está só dando um tempo ao tempo?
    E o que é que anda acontecendo de tempos em tempos? Desde quando, desde o tempo da onça?
   Quem é que está ganhando e quem é que está tomando tempo?! Quem está fora do tempo?...E, principalmente, quem é que está matando tempo?
   Qual a diferença entre tempo que esquenta e esquentou o tempo?
   Porque, com tanto tempo, tantos deixam tudo sempre para a última hora?
   E o imprevisto é primo ou tio do contratempo?
   E porque é que o tempo às vezes parece que estaca e outras  vezes parece que estica? Tem algo a ver com o tic-tac do relógio?
   Acima de tudo, como é que o tempo, que não se vê, não tem cheiro, nem corpo tem, no entanto está em  tudo, já que tudo passa com o tempo, ou não?
   Alguém sorri, alguém acena, o  louco vai  em  frente  na  sua  fiscalização,  na incansável  investigação.
   Não faz mal a ninguém, alguém diz. Outro diz que o louco só faz bem, palavrão engasga quando ele passa, apartam-se brigas, rancores  se refrescam,  temores  se  divertem,  o louco só faz bem.
   Quem dera, diz outralguém, todos fossem assim. O louco não ouve, voltando apressado para o cruzamento, a tempo de continuar contando os carros, enquanto ainda tem tempo. ) Texto escrito por DOMINGOS PELLEGRINI, PÁGINA 21, espaço DOMINGOS PELLEGRINI  d.pellegrini@sercomtel.com.br, publicação do JORNAL DE LONDRINA, domingo, 26 de abril de 2015).

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