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terça-feira, 7 de abril de 2015

DESINFORMAÇÃO VENCE A RAZÃO


    Nenhum dos argumentos em favor da redução da maioridade penal, assim como a promessa que essa seria “panacéia” para todos os males que acometem a sociedade brasileira, resiste a uma análise crítica acerca de sua razoabilidade.
    Culpar a lei vigente (notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente) pelo verdadeiro “caos”na segurança pública em que o país se encontra chega a ser pueril, e somente quem não conhece o sistema socioeducativo  ou o sistema penal brasileiro pode ter a ilusão de que encaminhar adolescentes para este último terá algum efeito positivo sobre os índices de violência, especialmente a médio e longo prazos. 
   Muito pelo contrário. O ingresso precoce (e se pretende cada vez mais precoce) de adolescentes no sistema penal, com índices de reincidência que beiram ( e em alguns casos superam) os 70%, seguramente apenas irá agravá-los, isto se houver vagas suficientes para recebê-los, considerando que, segundo dados de 2012, havia um déficit de 237 mil vagas no sistema prisional, além de 437 mil mandados de prisão expedidos ew não cumpridos.
   Outros países que incorreram no erro da redução da idade penal, como é o caso da Europa e da Alemanha, logo trataram de aumentá-la novamente, e mesmo países considerados “conservadores” e “rigorosos” na repressão de infrações penais praticadas por adolescentes, como é o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, têm revisto a forma de tratar seus jovens infratores, apostando na educação e na busca de alternativas ao encarceramento em estabelecimentos prisionais como solução para o problema da violência.
   A educação, aliás, é o único – e verdadeiro – caminho, e isso não significa, logicamente, que adolescentes autores de infrações penais não devam ser responsabilizados por seus atos e mesmo, se necessário, colocados em regime de privação de liberdade. Mas isso deve ocorrer num local adequado,  que respeite condição de pessoa em desenvolvimento   e  lhes proporcione oportunidades concretas para uma vida digna e produtiva para sociedade.
   A redução da maioridade penal, se aprovada, fecharia essa última “janela de oportunidade” para  reversão da espiral de violência e intolerância na qual o Brasil se encontra, com gravíssimas conseqüências para as gerações futuras.
   E por essas e outras razões que conclamamos todos os cidadãos conscientes – assim como nossos nobres parlamentares  - a se informar melhor sobre a matéria e não se deixarem levar pela emoção, assim como pelo discurso populista e sem qualquer lastro de verdade que culpabiliza os adolescentes pelo aumento da violência no Brasil. Tal discurso, de forma até mesmo irresponsável, pretende “rasgar” a  Constituição Federal unicamente para a satisfação daqueles que não têm qualquer compromisso com o cumprimento de seus preceitos e prin  cípios, notadamente os que – no sentido diametralmente oposto ao preconizado pela proposta de redução da idade penal – prometem a plena efetivação dos direitos de todas as crianças e adolescentes brasileiros.
   Ainda há esperança de que, se a matéria for analisada e tratada como deve ser, de forma serena, refletida e responsável  para com a sociedade brasileira por parte do Congresso Nacional , essa e as demais propostas de redução da maioridade penal sejam rejeitadas. E que o movimento seguinte seja voltado à cobrança do efetivo e integral cumprimento da lei e da Constituição Federal, a começar pela recém editada “Lei do Sinase”, que institui um novo modelo para o atendimento de adolescentes autores de infração penal em todo o Brasil e que ainda se encontra em fase incipiente de implementação.
   A  sociedade brasileira perdeu uma importante batalha, mas ainda há tempo de vencer  a guerra contra a desinformação e a iniqüidade. Quem viver verá.  ( Texto escrito por MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO, procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Paraná. Publicado pelo jornal  FOLHA DE LONDRINA, sexta-feira, 3 de abril de 2015, extraído do ESPAÇO ABERTO, página 2).

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