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domingo, 22 de fevereiro de 2015

DIÁLOGOS COM A CHUVA



    A chuva veio para a alegria geral dos que celebram muito mais do que vitórias no Carnaval. A seca que nos deu um susto não está resolvida ainda, porque a chuva é mulher e tem suas manhas. Cai hoje aqui, amanhã ali, muda de idéia como a Lua, um dia cheia, em outro apenas um fiapo,  no outro sumiço completo.
   Aprendemos com a  falta de chuvas os truques de gente distante, nunca no Sul e no Sudeste falou-se tanto em cisternas, coletores de vários tipos e economia de guerra. Tudo isso o Nordeste conhece de sobra, sua população pode nos dar aulas magnas sobre medidas de emergência na seca.  Se  pensam que por conta disso eles se livraram dos flagelos, estão também equivocados, estados nordestinos continuam padecendo com a falta d’água, testam a transposição do rio São Francisco aqui e ali, mas sabe-se que na sua nascente, o Velho Chico recuou, secou, agora voltou a renascer um bocadinho , não se sabe por quanto tempo. A natureza é sazonal, quando as estações se confundem e o clima muda de humor, não adianta construir reservatórios, a água não brota em canos, ela precisa das matas.
   Mas gosto mesmo é de poemas sobre a chuva, acho que eles têm o mesmo apelo da dança dos índios,. Quando a gente fala com a chuva com delicadeza, ela vem,  primeiro invisível, entre as nuvens, mas depois se senta num banquinho e vem ouvir poemas e orações. A chuva tem ouvidos sensíveis, escuta preces como esta: “Pai, faz cair do céu sobre a terra árida / a chuva desejada / a fim de que renasça  os frutos / e sejam salvos homens e animais”.
   Também acredito em chuvas que preferem o baião, são aquelas reverenciadas pelo grande Luiz Gonzaga. “Hoje longe muitas léguas / numa triste solidão / espero a chuva cair de novo / pra eu voltar pro meu sertão”.
   Ontem á noite, em diálogo com a chuva, eu dizia “obrigada” e ela batia uma vez na lata. Eu insistia: “Gostei de sua visita”. Ela batia duas vezes. E quando finalmente li em voz alta um poema de Joaquim Cardozo, autor do Recife que sabe muito sobre o clima, ouvi toques que pareciam um surdo tardio das escolas de samba: “Macaiberas chovendo / Cheiro de flor amarela;/ Cheiro de chão que amanhece./ Estavas sob a latada / Quando te abri a  janela”...
   Mas chorei junto com a chuva quando li para ela um dos poemas mais bonitos de Cardozo, um poema em que ele chove inteiro, reverenciando as frutas de sua terra :

CHUVA DE CAJU

Como te chamas, pequena  chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão
Molha a mesa e os livros
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vem dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e
mangabas.
Onde os coqueiros se aprumam  nos baldes viveiros
E em noites de lua cheia passam rondando os
maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chamar Teresa ou Maria?

   Com esse poema descobri que a chuva tem nome de mulher, coisa que eu pressentia na infância, nos quintais do Norte do Paraná, onde a chuva acompanha a maturação das frutas com zelo de mãe que dá banho nos filhos e os apronta para um carnaval sem datas. ( Texto escrito por CÉKIA MUSILLI,  celiamusilli@terra.com.br   pág . 2 do caderno FOLHA 2, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 22 de fevereiro de 2015)

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