Páginas

sábado, 10 de janeiro de 2015

QUANDO CABOCLA TERESA VIROU GATINHA ASSANHADA


     Eu cresci ouvindo música sertaneja.  Mineiros, meus pais vieram para o Paraná construir a vida e fizeram o favor de me apresentar a Tonico e Tinoco, Inezita Barroso, Cascatinha e Inhana, e às modas de Tião Carreiro e Pardinho – o chamado sertanejo raiz. Nesse meio, outros  nomes  inesquecíveis, como Irmãs Galvão  e Trio Parada Dura. Sei boa parte das músicas de cor e, naturalmente, me interessei pela evolução do ritmo.
     No começo, cantava-se a terra, a vida na roça, a saudade do campo. O amor perdido e impossível  também eram temas comuns. O gênero  evoluiu musicalmente, a viola ganhou a companhia de outros instrumentos  e o modo de cantar deixou de ser em uníssono, adotando o esquema de primeira e segunda voz. Milionário e José Rico foram os  principais  responsáveis por essa migração, seguidos por uma legião de duplas, como Matogrosso e Mathias, Cezar e Paulinho, Joaquim e Manoel, entre outros.
     O marco seguinte foi Fio de Cabelo, de Chitãozinho e Xororó, que estourou em 1982, abrindo as portas para tantas outras duplas já na ativa, como Christian e  Ralf, João Mineiro e Marciano, Leandro e Leonardo, Chico Rey e Paraná, Zezé Di Camargo e Luciano. O sertanejo romântico cantou o sentimento das mais variadas formas. Música simples, diziam os admiradores,  música brega, taxavam os estudados.
     Em comum, esses dois momentos da música sertaneja  tinham sentimentos nobres  como matéria e davam voz a um sem número de brasileiros em versos como: “ Hás tempo eu fiz um ranchinho/ Pra minha cabocla morá/ Pois era ali nosso ninho/ Bem longe desse lugá. “ De que me adianta viver na cidade/ Se a felicidade não me acompanhar/ Adeus, Paulistinha do meu coração/ Lá pro meu sertão, eu quero voltar”.  “No rancho fundo/  bem pra lá do fim do mundo/ Onde a dor e a saudade  contam coisas da cidade”.
     Mas hoje, o tal sertanejo universitário matou toda essa pureza, difundindo a bebedeira, a pegação, a ostentação de tantos outros desagradáveis “aõs” em letras certamente rejeitadas  pelos  verdadeiros  sertanejos. Exemplos: “ Gatinha assanhada, cê tá querendo o quê? / “Vishe, perfeito!/ Foi  tapa  na bunda/ Na cara, puxão de cabelo/ Na  cama, no chão e no banheiro/ Foi daquele jeito!”.  “É toda sexy, i Love you  cat/ Vou te levar pro meu duplex/ Se tem jontex , então relax / Prazer gatinha, me chamo Rex”.
     É triste para quem tem alguma ligação com o sertanejo ouvir letras como essa,  sem qualquer intenção de elevar quem as ouve. Tonico e Tinoco devem se revirar nos  túmulos. Quer dizer, acho que não, eles eram puro demais. Nem entenderiam isso.  ( Texto de CECÍLIA FRANÇA, jornalista na FOLHA, extraído do espaço  DEDO DE PROSA,  pag. 2, FOLHA RURAL, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA , sábado, 10 de janeiro de 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário