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domingo, 18 de janeiro de 2015

DIAS QUE MUDAM A VIDA



Primeiro, o dia em que nasci e meu  pai resolveu me dar o nome do centro-avante do Palmeiras. Minha mãe disse jamais, de jeito nenhum, então meu pai, que se chamava  Domingos,  falou então que tal Domingos? Ela concordou, sem saber que o nome era homenagem a Domingos da Ghia, outro craque do Palmeiras.
Marcante também foi o dia em que fui expulso do Curso Clássico, do então Instituto Filadélfia, por ter feito exame de madureza no lugar de um amigo, por pura molecagem. Nonno José era amigo do prefeito José Hosken de Novaes, a quem meu pai pediu ajuda.
Dr. Hosken apareceu mo fim de tarde em nossa casa, dizendo que estava a caminho do colégio  parra se inteirar do problema. Voltou em menos de hora e falou me encarando:
- Dominguinhos, não posso  te ajudar. Você cometeu um erro  e deve pagar por ele, sua expulsão foi  justa. Não lamente o castigo, aprenda com ele. Você pode agora se tornar homem.
Fui estudar em Marília, onde havia o Curso Clássico mais próximo. Morei sozinho em hotel, com banheiro no fim do corredor, café da manhã ralinho, almoço com legumes que aprendi a comer, inclusive cebola. Virei homem. Um dia eu agradeci a Dr. Hosken, e ele falou com aquela modéstia de sempre:
- Mas isso você não deve a mim, mas a você mesmo. Os erros servem para a gente aprender.

Em Marília eu já tinha morado alguns antes, de 1960 a 1963, três dos sete anos que meus pais viveram separados. Lá, numa bela casa cujo aluguel decerto meu pai ajudava minha mãe a pagar, eu via os amigos e amigas  de minha irmã enchendo a sala para dançar ao som dos discos de Cely Campello , Paul Anka, Neil Sedaka, Carlos Gonzaga.
Tiravam os sapatos e, descalços mas de meias, dançavam  sobre o tapete, em casais nas baladas (balada naquele tempo eram as canções lentas...), ou cada um por si nos rocks trepidantes.  Eu, como ainda não tinha interesse por garotas, ficava esperando os rocks enquanto os casais dançavam as baladas. Para não me entediar, um dia dei de ler ali mesmo, numa cadeira-do-papai  com luz de cabeceira.
Assim cheguei a decorar Vozes da África e Navio Negreiro, longos poemas de Castro Alves, entre sonetos de Camões, Augusto dos Anjos e outros. Um dia, parou uma balada e começou um rock e continuei lendo, minha irmã perguntou se o cabrito não ia pular (tradução: eu não ia dançar o rock? Falei não, e continuei a ler. Acho que foi nesse dia que comecei a me tornar escritor.
Outro dia determinante  foi quando descasado do primeiro casamento , fui morar em São Paulo, aluguei  sobradinho  muito gostoso e resolvi cuidar de casa. Sem empregada doméstica nem diarista. Dois anos passei assim, cozinhando, limpando a casa, lavando e passando  a roupa.  Hoje, se me deixarem numa ilha deserta sem nem ao menos uma faca, sobreviverei , graças a decisão que tomei naquele dia:
-Sou um homem ou um bebê que precisa de alguém cuidando de mim?
Cresci  tanto  que hoje, aos 65, já me sinto um homenzinho.  (Texto  do escritor DOMINGOS PELLEGRINI  d.pellegrini@sercomtel.com.br , publicado na pag.  14, espaço  cultura| Geral, publicado no JORNAL DE LONDRINA, domingo, 18 de janeiro de 2015).

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