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sábado, 31 de janeiro de 2015

A PRAÇA



“Com esse prefixo musical, amigos ouvintes, vai para o ar o serviço de alto-falante...”  Era assim que a música enchia os céus da pequena cidade em formato de sol, com suas ruas saindo como raios da praça central.
     Reunidos na praça, jovens, crianças, senhoras que saíam da igreja e se sentavam para esticar as conversas ou simplesmente com a desculpa de esperar os filhos. Homens jogavam nos bares em volta, o  pipoqueiro simpático na profissão há décadas  sorria, namorados buscavam os cantos mais discretos,  bêbados inofensivos perambulavam por ali.
     A música continuava com interação do locutor de voz  empolgada : “E agora, amigos e ouvintes, na voz do brasa Roberto Carlos, alguém oferece a Aparecida com os dizeres da música Namoradinha de um amigo meu”.
     Logo depois, com outras informações, o locutor continuava, mais empolgado: “ E atenção, Maria de Fátima, essa música o Pedrão oferece a você com  amor, ternura e algo mais...” Receba as flores que lhe dou, com Nelson Ned, enchia o ar de romance!
     Enquanto alguns namoravam, moças e rapazes passeavam em volta da praça. Hoje não consigo ver graça nessas voltas  mas certamente era para a paquera! Se houvesse algum cara ou garota de fora, isto é, de outra cidade, fazia o maior sucesso. E novamente o locutor era o que fazia a ponte:  “Atenção, José Carlos, estão pedindo pra você apresentar a sua prima... Apresenta!”.
     Tinha umas mensagens estranhas que chegavam ao locutor por meio de bilhetes, como: alguém oferece a alguém e esse alguém saberá quem.  Um trava línguas ou mensagem secreta de algum amor proibido.
     Ouviam-se músicas românticas, da jovem guarda, algumas mais antigas, os prefixos eram clássicos  de Ray Conniff e orquestra. Ah, e tinha as sertanejas, de raiz, geralmente solicitadas pelos jovens ou adultos que moravam na zona rural e vinham para a cidade. Lembravam os aniversários, casamentos,  as festas e os velórios.  Para isso a música mudava,  tocava-se a Ave Maria e num tom sério e triste, a voz mais rouca que de costume: “Aviso de falecimento! Faleceu hoje... Aos que se fizerem presentes, a família enlutada agradece”.
     Mas a  praça ficava animada mesmo era com as festas e quermesses.  Vinha muita gente de fora e principalmente os mais jovens se assanhavam na expectativa de arrumarem um namorado novo.
     Os mais abastados entravam no salão paroquial, sentavam com suas famílias e amigos, bebiam e comiam frango assado. Nas portas, as barracas de coelho, bola na lata.
     Lá fora,  as voltas na praça eram o melhor da festa” Com a música solta, as pessoas riam, sonhavam, choravam e até brigavam. Apaixonavam-se ou rompiam-se namoros. Era música oferecida para outro amor, para o ex, com despeito, para os amigos com sincera amizade.
     “Alguém te espera no caramanchão...você   é um pão...você é a garota que minha mãe quer para nora...” e assim por diante.
     Todo aquele festival de som, sonho, paixão e desilusão, alegria pelas coisas simples, o vento conduzia em ondas pela cidade em formas de sol, iluminada pelas estrelas e pela lua, que observavam tudo e tudo guardavam no baú da saudade de um tempo e um lugar que não existem mais. ( Texto escrito por ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, extraído da pag. 2, espaço DEDO DE PROSA,  da FOLHA RURAL,  publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 31
de janeiro de 2015)

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