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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

VALE A PENA

          
     Pena é uma de minhas palavras preferidas. Há a pena literatura; a pena punição; a  pena sofrimento;  a pena dó  e compaixão; a pena lástima ou desgosto; o peso-pena; a pena clemência; a pena esforço; o travesseiro de penas; a penalidade máxima; o êxito obtido a duras penas. Nunca se dirá pena com um sentido apenas.
     Mas a pena que entrou pela janela, enquanto eu fazia minhas orações matinais, era só uma pena de pássaro. Veio voando com o vento. Professor Google me disse que a palavra pena tem origem no latim poena, que significa punição, castigo. O termo latino deriva do grego poine, que por sua vez viria do sânscrito punya, com sentido de puro, limpo. Daí a relação que se faz entre pena e a purgação dos erros, crimes, pecados. A minha pena ficou ali no chão da sala, enquanto eu rezava. Camões gostava de usar a palavra pena. “Que a pena que com causa se padece,/ a causa tira o sentimento dela;/ mas muito dói a que se não merece”, diz uma de suas elegias. Mas ele não apenas falou com a pena, ele também sofreu. Pena do amor. Pena do exílio. Pena do naufrágio. Pena da miséria. Vida plena de penas.
     Na noite passada, eu estava voltando para casa quando vi um homem deitado na esquina da  Rua La Paz. Compadeci-me do homem e lhe dei uma nota de vinte reais. Ele aceitou o dinheiro, mas disse: “Eu tenho fome, preciso de comida, faz três dias que não como nada”.  Dez minutos depois eu lhe dei um prato de comida quente.
     Ele se chama Luís. Quando  trocamos um aperto de mão, disse: “ Eu hoje estou assim sujo, mas aos poucos vou me limpando”. Punyo. A pena no sentido purgação, purificação, limpeza. O  xará de Camões me olhou com os olhos do fundo do abismo e me fez lembrar a oração de Salve Rainha: “A vós bradamos  os degradados filhos de Eva/ A vós suspiramos, gemendo e chorando  neste vale de lágrimas!.
     O jornal anunciou aumento no número de miseráveis no Brasil – e Deus anda encontrando maneiras diferentes de falar comigo.  ( Texto escrito por  PAULO BRIGUET  WWW.jornaldelondrina.com.br/blogs/comoperdaodapalavra  publicado pelo JORNAL DE LONDRINA, segunda-feira, 10 de Novembro de 2014, espaço DIA DE CRÔNICA

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