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sábado, 11 de outubro de 2014

FÉRIAS, FRIO E ROÇA


     Tempo de frio na roça é coisa que não se esquece. Na década de 1970, meu pai comprou um pequeno sítio em Tamarana. Na minha aventura em trabalho rural fiquei congelado. Sorte minha que havia mato para capinar, tinha amendoim para arrancar e outros serviços “leves”. Eu era adolescente  e meu pai não dava moleza. Mas para quem estava acostumado a trabalhar em padaria, a mudança foi  bem radical.
     Eu estava de férias e tinha que “descansar carregando pedra”. Bem à tardinha, quase de noite, descemos o carreador. Eu e meus dois irmãos mais velhos.  Desc i  pensando  numa janta das boas e dormir para esquecer que tinha serviço no outro dia. Mas tinha o banho antes, um banho de água fria, num frio de inverno, num banheiro sem teto, pois ainda não havia dado tempo de arrumar o telhado. Já se passaram muitos anos e a graça da lembrança desfaz um pouco o frio  mas não a experiência.
     Parece trágico, mas chega a ser cômico. Depois do banho, comi com meus outros dois irmãos uma janta simples  mas que parecia o mais lauto jantar.  Afinal, quando você está com fome você come melhor e tudo tem mais sabor.  Depois dormi cansado e acordei para mais um dia da semana em que eu iria ficar no sítio.
     Só faltavam cinco dias – no domingo estaria de volta para casa – e eu contava nos dedos das mãos, já cheias de bolhas d’água – coisa de gente desacostumada de enxada. É o que chamam na roça de “mão fina”.
     Naquele dia, comecei  a capinar em volta de uns pés de café e meus irmãos dizendo: “Pode voltar que aqui ainda tem mato”.  E tinha mesmo. Tinha mato que não acabava mais.  Acho que era o lugar que mais tinha mato no mundo. Já estava com saudade das aulas – até as de matemáti ca,  física e química. Mas as doces  férias me levaram àquele destino cruel.  Fatídica semana de roçagens   e  sol a pino.
     Ao meio dia, depois de uns sustos com cobras e aranhas que apareciam no meio do cafezal, enfim  veio o almoço. Ou melhor, esquentamos o almoço feito de manhãzinha.  Marmita na mão e garfo na outra. Comi com gosto. Depois do almoço, ficávamos conversando sobre o serviço a ser feito e eu pensava  na minha cabeça de adolescente: “Esse  serviço nunca acaba? E lá íamos de novo debaixo do sol com uns chapéus de palha e enfiando as enxadas nervosas no meio daquela quiçaça.
     Meu pai parecia que tiinha comprado um sítio  que tinha uma roça de mato e em volta alguns cafezais e não o contrário. Naquela época, ele se recuperava de uma cirurgia de glaucoma e havia vendido a padaria para pagar a cirurgia e com a outra metade do dinheiro comprou o sítio. Como não gostava de empréstimo, acabou comprando um pequeno sítio para não  descapitalizar e fazer alguma renda para a família.
     O sítio parece na ter sido dos melhores, mas como  naquela  época  havia inflação galopante, não quis correr riscos. Nós fizemos a nossa parte, trabalham os dia a dia, e deixamos aquele sítio rentável. Aprendi que a força do trabalho nos torna mais confiantes e cheios de esperança no futuro e a vida assim tem mais sentido. ( Texto escrito por DAILTON MARTINS, leitor da FOLHA, extraído do espaço DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL. Publicado no jornaL,  FOLHA DE LONDRINA,  sábado, 11 de outubro de 2014).

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