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sábado, 25 de outubro de 2014

A GRANDE DESCOBERTA



     Desde pequena eu gostava de histórias. Fazia minha irmã ler um único livro várias vezes para mim e olhava as figuras deslumbradas, mas ainda não havia dado conta das letras.

     Brincando na rua esburacada, pés no chão e feliz como qualquer criança de uma cidade pequena, tinha   entre cinco e seis anos quando uma vizinha, Dona Ignez Bastasini, diretora do Grupo Escolar, me perguntou se eu queria aprender a ler.  Eu concordei  na hora. Ela me trouxe, ali mesmo, uma cartilha, chamada Cartilha da Infância, cuja  primeiras  letras eram as vogais e a seguir a consoante V.

     Fiquei  motivadíssima:   a, e, i, o ,u ,va,  ve,  vi, vo,  vu, ovo, uva, vovô viu a viúva, viva, Ivo... la, le, ma, me, ca, co, cu.  Macaco, mala, vaca... Meu Deus! Que descoberta ! O mundo  já não era o mesmo, havia mudado. A cidade havia se transformado, estava cheia de letras, de palavras... que   eu não enxergava:  bazar paris, bar do bigode, armazém  Fiorezi,  secos e molhados...

     Na minha casa as latas e caixas falavam: Toddy, Aymoré, Aviação, Óleo Zillo. A  máquina de costura tinha nome – Vigorelli, as telhas, o saco de arroz, de farinha, de sal...Com o é que eu não tinha visto tudo isso antes???

     Foi assim que mergulhei no mundo das letras,  das palavras,   das histórias. Que grande aventura em minha vida! Que alegria aprender a ler e a  escrever, que veio em seguida! Não parava mais, me empanturrava de letras, qualquer coisa, desde o jornal velho que servia para embrulhar as compras do armazém, o papel de balas, cartazes, bulas, maços de cigarro, tudo tinha vida e som,

     O local adequado para devorar meus livros era o paiol cheio de milho, o café e o algodão, a copa das árvores onde fazíamos bancos, as sombras das mangueiras, a grama onde deitávamos para ver os desenhos das nuvens no céu...  e,  víamos letras, com certeza..

     Aconteceu que no meio do ano minha  mãe começou a  lecionar numa escola rural e eu ia com ela, de companhia. É claro que não perdi tempo. Fazia o que os alunos de 1ª série faziam, os de 2ª, os de 3ª, enfim, ao final do ano letivo fui submetida aos exames finais, sendo aprovada, com sucesso, iniciando oficialmente minha jornada escolar.

     Sempre uma aluna muito  aplicada, destacava-me por ler muito e, consequentemente, escrever bem. Era chamada para participar de concurso de redações, para escrever discursos, homenagens, despedidas.

     Da Bíblia a livros históricos, romances, as fotonovelas, Contigo, Ilusão, Noturno, Sétimo céu, as revistas Manchete, Fatos e Fotos, O Cruzeiro, Gibis da Walt Disney, recortes de jornais, tudo era novidade nesse mundo tão maravilhoso.

     Na época, a cidade pequena oferecia  poucas opções. Não tínhamos bibliotecas, nem TV, nem bancas de jornais e revistas, o que não foi obstáculo para minha sede de conhecer o mundo das letras.

     Esse meu amor pelos livros foi tão marcante em minha vida que, quando adulta, ao tornar-me professora e depois supervisora pedagógica, era a maior incentivadora dos alunos e, como costumavam brincar minhas colegas de trabalho, ficava com água na boca de tanta alegria toda vez que a escola adquiria  novos livros de literatura infantil.

     Era a lembrança dos momentos mágicos de minha infância, da minha escolinha rural, da sala de aula modesta, da carteira para três, do guarda-pó, do Grupo Escolar Nossa Senhora das Graças, sua escadarias e alunos perfilados para cantar os hinos cívicos,  do cheiro de livros novos ou  velhos, que me proporcionaram uma das maiores descobertas da minha vida: o mundo mágico das letras. ( Texto escrito por ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da Folha Rural, espaço DEDO DE PROSA, publicado pelo jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 25 de Outubro de 2014).

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