Páginas

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

REALIDADE VIRTUAL E EDUCAÇÃO

        ( 24 de Agosto de 2014).
     Na década de 1990 um seriado de ficção científica, com o mote “A verdade está lá fora”, propunha abertura para possibilidades que não pertenceriam ao usual, ao comum, ao esperado, mas trazia o risco de ser interpretado como “A verdade está lá fora”, afastando o foco de observação do que pudesse estar mais próximo.
     Hoje parece haver uma procura de milhões de pessoas por alguma coisa fora das proximidades, quase todos concentrados em seus smartphones,  iPads, e outros equipamentos. Na maior parte dos casos, não estarão simplesmente se comunicando, acessando dados, fotografando algo ou mesmo envolvidos em algum jogo, parecem estar buscando identidade, transcendência, isolamento.
     Pessoas que estão  fisicamente  juntas, falando ou “teclando”o tempo inteiro com outros interlocutores que estão distantes,  ao se separarem provavelmente se conectarão,  e terão a conversa que não tiveram pessoalmente, como se a única forma aceitável de comunicação fosse aquela que se passa pela web, ficando cada vez mais difícil separar fato e ficção, como se a realidade passasse a existir apenas no espaço virtual.
     As fantasias, em certas medidas, são necessárias ao ser humano, muito da melhor arte foi feito por causa delas – e da pior também. Mas não podemos apenas viver em uma realidade isolada dos fatos, restrita a nossa  vontade e que nos torna auto-referentes.
     Vemos mais algumas midiáticas que a maior parte de nossos familiares, nutrindo por elas estima e admiração, pois delas só vemos o melhor: estão sempre bem vestidas, penteadas, maquiadas, charmosas. Mesmo seus eventuais destemperos são  interessantes, mostram sua “humanidade” e as trazem para mais perto.  Algumas delas nos tratam com intimidade, compartilham conosco suas salas, nos trazem notícias e pessoas que colorem nossa vida. São sinceras e acolhedoras, como nunca pareceram ser nossos familiares e colegas.
     Cientistas sociais e especialistas em aprendizagem normalmente  discordam da inalterabilidade do passado, pois, aparentemente, a cada lembrança avançamos na compreensão, reinscrevendo os fatos, situando-os e adaptando-os a uma nova maturidade. Ou seja, O acontecido não seria imutável, na medida em que os contornos tornam-se difusos, a memória o reconstituiu por intermédio dos novos conhecimentos, alternando o conhecimento anteriormente definido. Assim é que “o tempo é o melhor remédio”, na medida em que nos tornamos mais conscientes dos fatores intervenientes, e podemos compreender melhor até os motivos de nossos eventuais inimigos.
     Num momento em que o passado está presente, pois tudo está registrado na nuvem, todo acontecimento, mesmo os mais banais, gravado no You Tube, com aprender, esmaecer e amadurecer, como distinguir o perene do provisório? Como separar o real do simbólico?
     Nunca fotografamos tanto e fomos fotografados, e deixamos de olhar com atenção ao que nunca mais poderá ser visto, simplesmente preferindo registrar por aparelhos, para mostrar o acervo daquilo que um dia, de posse de todo tempo que nunca usufruímos, veremos como passado, e não como presente. Rodeado de câmaras nas ruas, lojas, pátios, somos parte do espetáculo, embora ainda pretendamos privacidade.
     Pessoas com mais idade, estrangeiros digitais, parecem não ter muita utilidade em nosso mundo “wireless”. Em sala de aula, o professor compete com o Google, e sempre parece saber menos.
     O problema de separar simples dados, um grande volume de informações, do real conhecimento, não é compartilhado apenas por adolescentes, adultos têm embaraço para entender a verdadeira função de um bom orientador. A concretude do virtual pode tornar nossa existência  mais cômoda no lazer, no estudo e no trabalho; mas necessita reflexão sobre a quase impossibilidade de distinguirmos exatamente a realidade de sua representação.  ( Texto escrito por WANDA CAMARGO, educadora e  assessora da presidência das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil) em Curitiba), extraído do ESPAÇO ABERTO, publicado na FOLHA DE LONDRINA, domingo, 24 de Agosto de 2014).

Nenhum comentário:

Postar um comentário