( 24 de Agosto de 2014).
Na década de 1990 um seriado de ficção
científica, com o mote “A verdade está lá fora”, propunha abertura para
possibilidades que não pertenceriam ao usual, ao comum, ao esperado, mas trazia
o risco de ser interpretado como “A verdade está lá fora”, afastando o foco de
observação do que pudesse estar mais próximo.
Hoje parece haver uma procura de milhões
de pessoas por alguma coisa fora das proximidades, quase todos concentrados em
seus smartphones, iPads, e outros
equipamentos. Na maior parte dos casos, não estarão simplesmente se
comunicando, acessando dados, fotografando algo ou mesmo envolvidos em algum
jogo, parecem estar buscando identidade, transcendência, isolamento.
Pessoas que estão fisicamente
juntas, falando ou “teclando”o tempo inteiro com outros interlocutores
que estão distantes, ao se separarem
provavelmente se conectarão, e terão a
conversa que não tiveram pessoalmente, como se a única forma aceitável de
comunicação fosse aquela que se passa pela web, ficando cada vez mais difícil
separar fato e ficção, como se a realidade passasse a existir apenas no espaço
virtual.
As fantasias, em certas medidas, são necessárias
ao ser humano, muito da melhor arte foi feito por causa delas – e da pior
também. Mas não podemos apenas viver em uma realidade isolada dos fatos,
restrita a nossa vontade e que nos torna
auto-referentes.
Vemos mais algumas midiáticas que a maior
parte de nossos familiares, nutrindo por elas estima e admiração, pois delas só vemos
o melhor: estão sempre bem vestidas, penteadas, maquiadas, charmosas. Mesmo
seus eventuais destemperos são
interessantes, mostram sua “humanidade” e as trazem para mais perto. Algumas delas nos tratam com intimidade,
compartilham conosco suas salas, nos trazem notícias e pessoas que colorem nossa
vida. São sinceras e acolhedoras, como nunca pareceram ser nossos familiares e
colegas.
Cientistas sociais e especialistas em
aprendizagem normalmente discordam da
inalterabilidade do passado, pois, aparentemente, a cada lembrança avançamos na
compreensão, reinscrevendo os fatos, situando-os e adaptando-os a uma nova
maturidade. Ou seja, O acontecido não seria imutável, na medida em que os
contornos tornam-se difusos, a memória o reconstituiu por intermédio dos novos
conhecimentos, alternando o conhecimento anteriormente definido. Assim é que “o
tempo é o melhor remédio”, na medida em que nos tornamos mais conscientes dos
fatores intervenientes, e podemos compreender melhor até os motivos de nossos
eventuais inimigos.
Num momento em que o passado está presente,
pois tudo está registrado na nuvem, todo acontecimento, mesmo os mais banais,
gravado no You Tube, com aprender, esmaecer e amadurecer, como distinguir o
perene do provisório? Como separar o real do simbólico?
Nunca fotografamos tanto e fomos
fotografados, e deixamos de olhar com atenção ao que nunca mais poderá ser
visto, simplesmente preferindo registrar por aparelhos, para mostrar o acervo
daquilo que um dia, de posse de todo tempo que nunca usufruímos, veremos como passado,
e não como presente. Rodeado de câmaras nas ruas, lojas, pátios, somos parte do
espetáculo, embora ainda pretendamos privacidade.
Pessoas com mais idade, estrangeiros
digitais, parecem não ter muita utilidade em nosso mundo “wireless”. Em sala de
aula, o professor compete com o Google, e sempre parece saber menos.
O problema de separar simples dados, um
grande volume de informações, do real conhecimento, não é compartilhado apenas
por adolescentes, adultos têm embaraço para entender a verdadeira função de um
bom orientador. A concretude do virtual pode tornar nossa existência mais cômoda no lazer, no estudo e no trabalho;
mas necessita reflexão sobre a quase impossibilidade de distinguirmos
exatamente a realidade de sua representação.
( Texto escrito por WANDA CAMARGO, educadora e assessora da presidência das Faculdades
Integradas do Brasil (UniBrasil) em Curitiba), extraído do ESPAÇO ABERTO, publicado
na FOLHA DE LONDRINA, domingo, 24 de Agosto de 2014).
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