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terça-feira, 3 de junho de 2014

RAZISMO

O racismo é tão irmão do razismo que devia ser escrito assim, razismo.
     Na Pensão Alto Paraná, que minha mãe tocava na década de 50, menino eu via aqueles peões negros, fortes que só, rindo com fileiras de dentes tão brancos, gastando na cidade o dinheiro que tinham ganhado derrubando mata, e ficava zanzando em volta deles, ouvindo suas histórias, e isso marcaria para sempre minha literatura.
     Minha mãe fazia sabão no quintal da pensão, com sebo, mamona e soda, em meio tambor sobre tijolos e uma fogueirinha que eles iam avivando com ripas e paus, acocorados em roda, contando causos, entre silêncios atentos e estrondosas gargalhadas.
     No salão de barbeiro de meu pai, em frente à pensão, misturavam-se no piso os tufos de cabelos de todas as raças.
     Mas eram os negros que derrubavam as matas para plantar café, trabalho tão duro que exigia muita força e destreza. Quando algum me passava a mão na cabeça, eu sentia os calos.
     Meu pai era um pai para eles, diziam, decerto porque os tratava como tratava a todos, com o respeito que toda gente merece, e todos os chamavam de Seo Domingos com o maior respeito. Davam dinheiro para ele guardar no cofre, temerosos de, depois de umas canas, deixar tudo nas mãos das mulheres e malandros.
     Uma noite um bateu em nossa casa alta da noite, tão bêbado e barulhento que até eu acordei, querendo que meu pai lhe desse o dinheiro que ele mesmo tinha falado para não dar de jeito nenhum. Meu pai deu a metade.
     No dia seguinte, o peão estava sem um tostão, foi envergonhado falar com meu pai para pagar a pensão na próxima vez. Meu pai mostrou então o dinheiro que tinha guardado, e o peão ficou tão agradecido que passou dias falando:
     - Esse homem é um santo!
     Mas ainda não faço milagres, dizia meu pai, só faço o que é certo.
     Certo é que a raça negra é a mais antiga, conforme apontavam todas as pesquisas antropológicas, baseada em fósseis, idiomas e ruínas arqueológicas. Mas os razistas diziam que não era possível  raças tão diferentes, como as chinesas e os nórdicos, descenderem de um só tronco negro africano.
     Agora, com o desenvolvimento do DNA nos genomas, é certo que até os chineses e  o mais branco dos dinamarqueses descendem de negros africanos. As provas são cientificamente irrefutáveis.
     Então, quando Daniel Alves comeu aquela banana, o sujeito que atrás dele, na arquibancada, fazia gestos imitando macaco, estava imitando seu  próprio ancestral.

     E também tenho um sonho, Martin Luther King, que em todas as escolas ensinem as crianças  que todas  as raças descendem da negra, e são assim tão diferentes porque, se fôssemos todos iguais, o mundo seria muito chato e talvez nem existissem bananas.    

( Texto do escritor DOMINGOS PELLEGRINI    d.pellegrini@sercomtel.com.br    publicado no Jornal de Londrina, domingo 1 de junho de 2014  ).

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