Escrevi
pelo menos quinze artigos nos últimos quatorze anos, denunciando o
ex-presidente Lula e o que eu sempre considerei um projeto de poder que se
instalava no Brasil à custa da promiscuidade entre o público e o privado,
eivado, é claro, de muita corrupção. Nunca titubeei em criticar o que a meu ver
representava um atraso para o Brasil notadamente no fortalecimento das
instituições, e um engodo, no que se chamava então de desenvolvimento econômico
e social.
Faço parte de uma boa maioria que
considera o processo que o levou à prisão como justo, e acredita que a Lava
Jato continua prestando um serviço ao país no expurgo de pessoas e empresas que
enriqueceram ilicitamente ao longo dos anos, conspirando contra a própria
estabilidade democrática do nosso país.
Mas eu aproveito este espaço para
dizer o quão estou atordoado com o que vi e ouvi a propósito da ida do
ex-presidente ao funeral do seu netinho. O Brasil que me atraiu e trouxe aqui
há muitos anos, os brasileiros cuja boa índole é conhecida internacionalmente, não merecem
passar por este vexame horroroso, que denigre e afeta criminalmente o
necessário processo de mudanças a que nos propomos, para lhe devolvermos o
patamar de país adulto e maduro que todos almejamos. O que já tínhamos observado
e lamentado no processo eleitoral não podia ter ido além das urnas! Não existe
nenhum país que tenha sobrevivido sem uma boa reconciliação com o seu passado,
encarando o desafio de discutir ideias e não pessoas!
Somos um país cristão! Assim diz o
IBGE Mas somos acima de tudo uma nação formada com valores humanos, que
encontraram respaldo na Constituição cidadã de 1988. Valores traduzidos em
direitos e deveres que propiciam – ou deveriam propiciar – uma sociedade justa
e fraterna. Ora, lendo as manifestações nas mídias e os comentários
sarcásticos sobre Lula e o seu neto,
morto precocemente, só posso ver traição ao corolário de ideias e valores que
presidem esta nação. Não podem ser pessoas honestas os que se agarrando como
mariscos às pedras de suas medíocres convicções
disparam ataques desumanos e vazios de qualquer condescendência contra
os que a justiça está punindo.
Se é para avançar, que avancemos!
Trilando um caminho de fortalecimento da democracia sem rancores .mágoas ou
restrições em forma de comentários ou atitudes, com cheiro de totalitarismo. O
Chile, aqui ao lado, e outros países no pós-guerra fria nos deu uma lição de que uma caça às
bruxas é contraproducente e uma cultura de intolerância é inaceitável em todos
os sentidos. Se a cada episódio como este ficarmos em silêncio ou nos limitarmos
a bloquear os contatos nas mídias não seremos coerentes. Faz-se necessário
denunciar veementemente mais do que as pessoas, a cultura que está embasando
esta que eu chamo de tragédia nacional, pois ela é geradora de sofrimento e de
atrasos que por sua vez são causa de muitas outras atrocidades.
A morte ou o sofrimento, seja de
amigos ou adversários, sempre estará além de tudo que preside ao nosso dia a
dia. Fazem parte do mistério da própria vida. Perante eles, tudo se cala; só
ficam o silêncio e o nosso respeito, demonstrando uma solidariedade que vai além das ínfimas discordâncias políticas ou religiosas. Portanto, a atitude
que cairia bem naquele momento só poderia ser uma cabeça inclinada em forma de
prece. Continuo sonhando com um país
livre de sentimentos destruidores. Que esse lamentável episódio não se repita!
(FONTE: Crônica escrita pelo PE. MANUEL JOAQUIM DOS SANTOS, pároco da paróquia Sant’Anna, página 2,
coluna ESPAÇO ABERTO, terça-feira, 5 de março de 2019, publicação do jornal
FOLHA DE LONDRINA). * Os artigos devem conter no máximo 3.800 caracteres e no
mínimo 1.500 caracteres. Os artigos publicados não refletem necessariamente a
opinião do jornal. E-mail para opiniao@folhadelondrina.com.br).
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