Depois do almoço de família, estava na sala tentando conversar com meus sobrinhos adolescentes e concorrer com os smartphones. Era difícil conseguir a atenção deles, cada qual mergulhado no seu mundo virtual. Enquanto navegavam pela internet e redes sociais, fiquei pensando nas profissões que eles e seus filhos irão exercer no futuro próximo. Então me ocorreu uma ideia: falar com eles sobre meus avós, antepassados deles, mesmo sabendo que acham o século passado um período jurássico. De repente dei um grito na sala e consegui assustá-los, atraindo assim a atenção. Agi rapidamente e dirigindo-me a todos perguntei;
- Vocês sabem quais eras as profissões do vô João e do vô Francisco?
Ninguém respondeu, mas ficaram me olhando como se eu fosse um ser de outra galáxia. Aproveitei o momento e disse que o vô João, nascido em 1904, tinha saído “sapateiro” e o vô Chico, nascido em 1907, fora “ourives”. Não houve o efeito que eu desejava, mas a Jéssica e a Camila morderam a isca:
Tio, a gente pode, tipo assim, pesquisar o que é isso?
Em menos de três minutos todos conseguiram informações sobre as profissões de seus bisavós e começaram a comentar que era muito estranho saber que antigamente alguém ganhava a vida consertando sapatos. Embora continuassem olhando primeiro para o celular e depois para mim, aproveitei a oportunidade dizendo que, segundo o último censo do IBGE, a cidadezinha onde nasci e morei até os dezenove anos possui em torno de vinte mil habitantes. Como fa muitos anos que deixei de residir naquele local, estimo que na época da minha infância a cidade deveria ter oito ou nove mil habitantes, sendo que mais da metade morava na zona rural devido ao fato de ser uma região que acolheu muitos imigrantes italianos e alemães, que tiveram como destino inicial o trabalho na agricultura. Tentando reproduzir no Brasil o modo de vida que tinham na Europa, se instalaram nas regiões do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que se assemelhavam às suas terras de origem quanto aos aspectos climáticos e geográficos.
Percebi que estavam dando ouvidos à mina história estiquei o assunto e salientei que o vô Chico era italiano e o vô João era caboclo. E que o vô João havia casado com uma italiana e o vô Chico com uma mulata. Isso porque com a introdução da ferrovia no sul do Brasil a mão de obra para os trabalhos mais pesados havia sido recrutada entre os negros, índios e caboclos, o que acabou favorecendo a mistura de povos que representa o nosso País. Depois, com a chegada da era industrial, os imigrantes, nativos e ex-escravos foram aos poucos deixando a lavoura e se fixando na cidade como ferreiros, sapateiro, alfaiates, barbeiros, costureiras, lavadeiras, pedreiros, ourives, carpinteiros e comerciantes, dentre outras ocupações.
- Então, de boa, véio, você tá dizendo que nós somos mestiços? Indagou Luan.
- Exatamente, respondi.
Em seguida a Gabi, que é esperta nos números, argumentou com espanto que não entendia como o vô João conseguiu criar oito filhos consertando sapatos e o vô Chico manteve onze filhos trabalhando com joias e acertando relógios.
Bizarro isso, falou Rafael, quem iria hoje em dia arrumar sapatos ou usar relógio?
- Sinais do tempo, “era outra vibe e não existia a web”, finalizou. (FONTE: Crônica escrita por GERSON ANTONIO MELATTI, leitor da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 1 e 2 de Setembro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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