Na mesa do almoço, meu filho pergunta o que é jornalismo. Num primeiro momento, digo que jornalismo é produzir conteúdos a partir dos acontecimentos. Mas também explico que as matérias podem ter viés informativo, opinativo ou mesmo literário, quando produzimos crônicas ou reportagens que “namoram” com aquilo que um dia foi chamado “new jornalismo” e que, ainda hoje, aparece como um conteúdo de valor, em tempo de notícias simultâneas como café expresso.
Estudante de Artes Visuais, meu filho é minucioso como se desenhasse sempre um retrato com máximo de fidelidade. Às vezes, perco a paciência, mas ele quer comparações e pergunta como é meu dia a dia. Respondo que sempre há fatos novos e que, embora se convencione que o jornalismo seja neutro, acredito que nos posicionamos na forma de abordar um assunto e no tratamento que lhe damos com mais ou menos espaço nas páginas, na escolha de títulos e fotos. Digo que o jornalismo por natureza, ainda é matéria de interação com a sociedade, um diálogo que se estabelece a partir das notícias que ajudam a formar opinião.
Ele acha minha resposta rasa. Tem por hábito ir fundo demais nas coisas, de modo que lhe sugeri que estude psicologia ou filosofia, além da arte, mas resolvi devolver a pergunta e quero saber como é sua vivência artística. Ele me diz que a arte é uma interpretação do mundo e uma busca constante da forma que expresse uma ideia ou conteúdo. Diz que uma coisa é aprender Michelangelo, um mestre excepcional da forma, que ele já tentou imitar como exercício. Outra coisa é aprender com Rembrandt, cuja pintura tem claros e escuros, oferecendo texturas diversificadas. Cita ainda as obras dos contemporâneos e sugiro que ele poderia ser um bom professor para ver se lhe aponto um campo mais objetivo de trabalhar com a arte, a partir do entendimento e da explicação do ofício.
Volto ao jornalismo e digo que coletamos fatos, buscamos e compramos versões, opiniões e colocamos tudo no caldeirão do texto para cozinhar a matéria que, enfim, vai virar notícia divulgada em maior escala. Ele se alegra ao perceber que no caldeirão de fatos colocamos criatividade ao produzir a notícia, que é nossa forma de apresentar o fato, e chama isso de “dar identidade ao texto”.
Percebe que, assim como na arte, sempre faremos nossa leitura ou interpretação do mundo a partir da matéria jornalística. Então me pergunta como é fazer poemas? Sugiro que aí o buraco é mais embaixo ou mais em cima. Que a poesia é quando temos uma fresta no céu que se abre sobre nossa cabeça, inspirando uma leitura incomum das coisas, muito mais metafórica. Lembro do dia que ele viu pela janela uma revoada de pássaros e me disse: “Mãe, parece um aquário”. Entendi perfeitamente sua transposição da cena para a água e digo que sua frase me soou poética..
Explico que o jornalismo nem sempre combina com a poesia. Que me dia a dia na redação é absorvente e me rouba o poema, que exige subjetividade, não precisão. Ele pergunta como começa um poema. Apresento um verso que há anos me desafia: “A solidão é um animal antigo” . Ele gosta do verso, mas pergunta o que significa. Digo que foi uma ideia para qual ainda não tendo continuidade, ainda não é poema. Mas esclareço que significa, possivelmente, que a solidão é um dilema humano desde a antiguidade.
Repito que, no momento, tenho pouco tempo para pensar em poesia, que o cotidiano do jornalismo é objetivo, mas é através dele que ganho o pão. Como exemplo, mostro que o País vive no momento um dilema político e que um candidato cuja inicial é B, surge como ameaça. Ele sugere que B, para não se concretizar como ameaça, deve ficar “invisível”, ao passo que a imprensa fala dele todos os dias. Concordo que no jornalismo padecemos de um excesso de objetividade e que, subjetivamente, criamos ameaças quando falamos delas, ainda que seja para criticar. Ele alerta que o marqueteiro de Trump mostrou interesse em fazer no Brasil a campanha de B., aquele que “deve permanecer !invisível”. Prometo não dizer o nome do dito cujo em vão . É bem melhor voltar-se para a arte, a poesia e a filosofia do que manter-se no raso da crítica que, sem querer, transformamos em propaganda. (FONTE: Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com caderno FOLHA 2, página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 11 e 12 de agosto de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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