Páginas

sábado, 22 de julho de 2017

PÃO DA TERRA


   Fui a uma festa de casamento num famoso espaço de eventos, um bufê arrumado com capricho e estilo. Encontrei pessoas felizes e vestidas com elegância, como é de se esperar nessas ocasiões. Depois de me servir da mesa de frios, dos deliciosos pratos quentes e comidas cujos nomes nem sei escrever, alguém perguntou do que eu mais tinha gostado.
   - Da mandioca, respondi. 
   As pessoas que estavam na mesa comigo se entreolharam e riram em tom de deboche, dizendo que num ambiente fino como aquele não tinha lugar para uma comida pobre, tal qual a mandioca.
   Falei, com gentileza, que a mandioca havia aparecido no escondidinho, servido como entrada. Achando graça diante da descoberta, algumas delas pediram para repetir o prato, só para comprovar se era mesmo feito de mandioca. 
   Logo a conversa mudou de rumo, mas continuei pensando no assunto e minha imaginação viajou ao encontro da lenda de Mani. Conta a lenda, que numa aldeia tupinambá nasceu uma menina chamada Mani, de pele branca, bem diferente da tez morena dos outros curumins. Ela morreu com poucos dias de vida e pelo costume foi sepultada dentro da oca. Em seu túmulo nasceu uma planta de raízes escuras, que depois de descascadas mostravam polpas brancas parecidas com a cor de Mani. Acreditando ser um presente dos deuses, os índios chamaram a planta de Mani-oca. 
   Séculos depois, na época do descobrimento, os portugueses se depararam com várias formas de utilização da mandioca pelos indígenas. Originária do centro/norte do Brasil, ao longo do tempo seu consumo tornou-se tradição na culinária de norte a sul do País, por isso acho que devia ser elevada a símbolo da cultura popular brasileira, igualando-se à caipirinha e à feijoada. Esse poderoso alimento é uma planta rústica de fácil manejo que se adapta com facilidade em diversos solos e climas. Seu plantio e colheita são simples: é só enterrar um toco de seu caule que logo se enraíza na terra e, depois, basta um pouco de força para arrancar as ramas do chão. E por falar em chão, contam que o padre José de Anchieta quando aqui pisou e percebeu a importância da mandioca na vida dos índios, batizou-a de “pão da terra”. 
   A farinha de mandioca combina perfeitamente com o feijão e o arroz e casa bem com a feijoada; nos rincões do Sul acompanham o churrasco; na região Norte completa o açaí e no Nordeste fornece a goma de tapioca. Refogada no óleo vira farofa, cozida com cabeça de peixe vira pirão, socada com amendoim vira paçoca. Serve para fazer pão, bolo e sagu. Além de angu, mingau e beiju. Com as folhas da mandioca-doce se faz a maniçoba, uma espécie de feijoada muito apreciada no norte e nordeste. Do fervimento da mandioca-brava é extraído o tucupi, principal ingrediente do tacacá, uma das especialidades da cozinha amazônica. 
   Outro subproduto importante da mandioca é o polvilho, que se obtém por meio da prensagem e entra na receita da tapioca, do tradicional pão de queijo mineiro e da chipa paraguaia, já incorporada aos hábitos da gente sul-matogrossense. A tapioca (tapi= pão +oca = casa, merece destaque porque, típica do Nordeste, caiu no gosto da população do país inteiro devido a sua praticidade e versatilidade. 
   Quanto à mandioca, macaxeira, aipim ou maniva, para que gosta pouco importa o nome, pois sendo mani-oca pode vir fria na farinha, quente na farofa ou doce na tapioca. E também no escondidinho. (FONTE: GERSON ANTONIO MELATTI, leitor da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL, sábado e domingo, 22 e 23 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA)

Nenhum comentário:

Postar um comentário