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quinta-feira, 8 de junho de 2017

O PARTIDO DA REFLEXÃO


   Há pelo menos três décadas está em debate a educação sexual nas escolas, mas a julgar pelo alarde que se cria em torno do assunto a cada vez que aparece a oportunidade de uma discussão mais abrangente nos currículos, ele não deixou de ser tabu. O tema parece um desses submarinos nucleares que emergem e submergem quando se constata “perigo”.
   Com as mudanças socioculturais em curso, o mundo mudou e a educação sexual passou a ser ponto de discussão no Plano Base Nacional Curricular que, na sua última versão, divulgada em abril, retirou do documento trechos que diziam que os estudantes devem respeitar a orientação sexual dos demais e também suprimiu a palavra gênero em alguns pontos. 
      O fato é que a compreensão do que abarca a educação sexual corre pela vertente dos que pretendem segurar o tema nas margens do conhecimento científico – falando sobre sexo e reprodução -, enquanto outra vertente pretende abranger questões de gênero e orientação sexual, por exemplo. Esses pontos são tão presentes na sociedade contemporânea que torna-se quase impossível criar uma bolha nas escolas para que os temas, considerados tabus, não permeiem as discussões cotidianas. 
   Na última segunda-feira, a Folha de Londrina publicou em seu caderno semanal Folha da Cidadania matéria da repórter Marian Trigueiros sobre educação sexual nas escolas com entrevistas de duas especialistas, a professora da UEM (Universidade Estadual de Maringá) Eliane Maio, psicóloga, Mestre em Psicologia Pós-Doutora e doutora em Educação Escolar e Rosei Sayão, psicóloga e referência nacional no assunto. Ambas afirmaram que a escola é um espaço de diversidades e teceram considerações sobre a importância de uma educação sexual que não se limite a informações sobre a vida sexual genital. Ambas falaram sobre gênero, orientação sexual, gravidez precoce e abuso sexual, entre outros assuntos. 
   Isso foi o suficiente para a matéria tornar-se uma espécie de peça de julgamento nas redes sociais e motivo de debate numa sessão da Câmara de Vereadores de Londrina. Há vertentes conservadoras e liberais, científicas ou culturais debatendo educação sexual nas escolas. O que não podemos perder de vista é a pluralidade das ideias sobre um tema que interessa a todos, pais e mães, alunos e professores. No entanto, da mesma forma que a questão político-partidária do País entrou num terreno binário, questões delicadas que envolvem a educação tendem a ser vistas como um território de disputas onde cada um julga o pensamento alheio segundo sua ideologia. 
   O que está em xeque é o movimento sócio-cultural no qual não é mais possível tratar a sexualidade como tabu, nem diversidade sexual com preconceito. As questões que envolvem a Educação abrangem todas as relações sociais e culturais, nas famílias e nas escolas, e não será usando um tapa-sexo que vamos construir um mundo mais harmônico. 
   Vivemos no Brasil uma realidade onde a violência sexual atinge níveis estarrecedores. Segundo levantamento do Ipea – divulgado este ano e feito com base nos dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan) -, 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. Dessa forma, uma abordagem que leve em conta o máximo de informações sobre a sexualidade, feita de forma responsável e ouvindo especialistas, faz parte da ética jornalística e determina a conduta profissional. 
   Há mais questões importantes a serem abordadas com urgência que envolvem a sexualidade e dessa discussão dependem resoluções e até vidas. Diante disso, desqualificar o debate não é ato de cidadania. Nossa proposta não é empurrar de forma desrespeitosa a discussão para as redes sociais, mas sim ouvir quem estuda o assunto para embasar aquilo que não é primordial no jornalismo: informação e reflexão. Neste caso, assim como há espaço nas mídias para correntes que defendem a Escola Sem Partido, prezamos o espaço daqueles que tomam o partido da reflexão sobre este momento histórico e cultural da sociedade. Não será tapando os olhos que evitaremos a certeza de que o rei está nu. ( CÉLIA MUSILLI, jornalista e editora da Folha Cidadania, página 2, coluna ESPAÇO ABERTO, quinta-feira, 8 de junho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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