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domingo, 25 de junho de 2017

O JARDINEIRO


 O livro da Bíblica que fala da Criação conta que, quando o mundo foi criado, “Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e guardar”.
   Como o homem e a mulher se descuidaram do amor de Deus e começaram a dar ouvidos a outros conselhos que prometiam grandes aventuras, foram expulsos do jardim. E de lá pra cá todo mundo sabe o que aconteceu e, pior ainda, como já não se cuida dos jardins do planeta e a vida está se tornando um tanto caótica. 
   Falando em jardim e cuidado, escolho um cabide do passado que guarda a lembrança de um jardineiro extremamente cuidadoso e dedicado ao jardim da praça da pequena cidade em formato de sol, seu Manoel Cândido. Acho que ele foi o primeiro jardineiro daquela praça, quando era ainda nova e bonita, com seu caramanchão ao lado da igreja, com bancos de cimento emoldurando os recantos e com o grande jardim cuidadosamente plantado e vigiado pelo seu Manoel. 
   Andávamos ali pelos anos 1970. Protegidos pela pouca importância da cidade, parecíamos viver num pequeno paraíso, perturbado, às vezes, por pequenos percalços, mas na maioria dos dias éramos felizes. Nesse paraíso, quem cuidava do jardim era o seu Manoel. E como cuidava bem, como levava a sério o seu ofício! Era um homem modesto, voz baixa e mansa, de aparência séria, sempre ocupado com suas plantas e nunca com a vida das pessoas, parecia até fazer parte do jardim. As vezes eu conversava com ele, mas era ele de poucas palavras, sempre se referindo ao jardim e à pesca. A praça era impecável, não se via um papel, uma folha fora do lugar. Os canteiro bonitos e simples, espinheiros bem aparados serviam para resguardar a privacidade de certas flores e diversas vezes presenciei gente se machucando neles por quererem invadir o lugar proibido. 
   Não dava para separar o seu Manoel Cândido do jardim e da praça. Lembro-me que ele tinha uma carroça e de vez em quando sua filhinha Bernadete, tão loirinha que se confundia com os pijamas amarelos, desfilava sorridente, dirigindo a carroça com seu pai. Da casa do seu Manoel Cândido eu também me lembro, impossível não lembrar pois o quintal era cheio de flores. Talvez, em suas poucas horas vagas, era lá que ele descansava, entre flores. 
   Todos os dias estava ele lá, todos os dias as flores do jardim crescima sob o olhar amoroso de seu cuidador, as mãos acariciando a terra. Mas um dia seu Manoel ficou doente   Todos ficaram preocupados com a saúde do jardim e com a saúde do jardim. Tínhamos, então, um grupo de jovens animados, alegres e prestativos. Daí surgiu a ideia de fazermos um mutirão para limpar a praça. Com vassouras, tesouras, muito riso, bom humor, cantando e brincando tudo e deixamos, literalmente “brilhando”. 
   Seu Manoel voltou logo e, numa das raras vezes, eu o vi sorrir, feliz pela iniciativa dos jovens em preservar o seu precioso tesouro. 
   Não dá para pensar naqueles dias felizes, naquele sol radiante, naquela praça bonita e bem cuidada, naquele jardim tão bem preservado, sem pensar na figura do fiel jardineiro, seu Manoel Cândido! Em seu ofício, com responsabilidade e simplicidade, resgatou o amor que todos nós deveríamos ter com os jardins da terra na esperança de um dia quem sabe, podermos merecer o paraíso. (FONTE: Crônica de ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 24 e 25 de junho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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