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domingo, 25 de junho de 2017

LONDRINA PIONEIRA: CASOS ESPANTOSOS (coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI)


   Em sólida e viva narrativa de nossos tempos pioneiros, o fundador de Rolândia, Osvald Nixdorf, conta casos espantosos, às vezes em apenas um parágrafo, em “Um pioneiro na Selva Brasileira” (Editora da UEL). Seu livro revela notável escritor e os desafios incríveis enfrentados pelos pioneiros pés-vermelhos: 
   “Quem nunca passou pela experiência de cavalgar na mata, no escuro, debaixo de um furação, não tem noção do barulho infernal que é produzido. Galhos e copas de árvores quebram e vão ao chão. Rapidamente a passagem pela picada fica impossível. Temos de usar os facões para nos livrar dos cipós e trepadeiras, e confiar cegamente no instinto de localização dos burros, que mantém a direção de casa. Há muito tempo perdemos os chapéus, as roupas estão rasgadas. Para não perdermos o contato, temos de gritar uns aos outros para sobrepor o rugido da tempestade.” 
   Há muito me desvencilhei de meus sentimentos coloniais racistas. Uso a parte de cima de um beliche numa cabana de folhas de palmeiras. Na parte de baixo dorme um negro muito forte e corpulento. Quando tento me acomodar, com meus quase dois metros de altura, o estrado desmorona e caio sobre o negro. Despertado de profundo sono, ele se arrasta e pensa estar sendo atacado. Agarra sua espingarda e, por um triz, puxa o gatilho em minha direção. ”
   Com o isolamento causado pela revolução paulista de 1932, “a situação dos suprimentos está ficando cada vez mais difícil. 
Primeiramente se sente a falta de fumo, mas a situação fica ruim mesmo com a falta de sal. Os gêneros alimentícios principais são arroz, feijão e aqui e ali um saco de carne de porco. Isso quando Carlos Strass arranja um porco para matar. O palmito é preparado cozido, frito e como salada. Dr. Willie despacha pessoas competentes com animais de carga que, em jornadas de semanas, trazem víveres através de desvios pelas matas. Os fósforos acabam. Os fogões têm de ser mantidos acesos.”
   Um menino falece aos quatro anos de idade, depois de muito sofrimento. O tempo está frio. Sua irmãzinha mais nova está na cama com pneumonia, tendo os pais passado a noite em vigília. De madrugada, a crise passa e eles se deitam para dormir um pouco. O menino acorda e pede água para beber. Morta de sono, a mãe diz a ele para ir à cozinha tomar água. Ela se esquece de que sobre a mesa há uma garrafa de pinga aberta. Mais tarde, quando se levantam, o garoto jaz morto no chão. Bebeu todo o conteúdo da forte bebida e morreu intoxicado de álcool.”
   “Numa noite de chuva intensa, somos acordados com o choro das crianças. Um chiado estranho nos espanta e um pinicar afogueado nos arranca da cama: estamos sendo atacados por formigas de correição. Arrancamos as crianças de suas camas e, de pijamas como estamos, fugimos para fora. Todo o interior da casa foi invadido por milhares e milhares de formigas. Esperamos na chuva, empoleirados num tronco caído. Ao amanhecer os bichos desaparecem, mas não há mais nada comestível na casa. De toucinho resta apenas o couro.”
   Em viagem a São Paulo, “minhas orelhas, têmporas e pescoço estão pretos de ferroadas de borrachudos, pois cada picada desse inseto deixa um ponto preto. Percebo que, no bonde, as pessoas se afastam de mim. Certamente pensam que tenho uma doença contagiosa.”
   “O pessoal encontrou um barreiro na mata. Ali os animais da floresta se reúnem e vivem em harmonia. As crianças e eu nos alegramos com esse cenário notável: aves e animais, grandes e pequenos, encontram-se ali. Os maiores inimigos convivem, vê-se a onda lambendo ao lado do veado, o puma ao lado do porco do mato, o cachorro do mata ao lado da preá. Proíbo meu pessoal de caçar nessa paraíso. (Crônica de DOMINGOS PELLEGRINI, escritor e jornalista, d.pellegrini@secontel.com.br, página 3, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, caderno FOLHA 2, 24 e 25 de junho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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