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domingo, 14 de maio de 2017

DE MÃE PARA FILHO


   Quando contava histórias para meus filhos, eles sempre respondiam de maneira inusitada

   Quando me pediram pela primeira vez para escrever sobre minha mãe, eu tinha uns 8 anos. Por um bloqueio que desconheço não fiz boa redação. Devo ter experimentado um constrangimento parecido com o que sentia quando tinha que beijá-la em público. Para mim, mãe sempre foi sinônimo de intimidade e meu texto pela metade, que se tornaria público, ficou parecido com o meu beijo que eu dava nela nas festas da escola, antes de sair correndo. 
   Passado o tempo, deixe de ser apenas filha para me transformar em mãe e minha relação com meus filhos passou a ser também de profunda intimidade. À noite, antes de dormir, tínhamos sempre nossa hora mágica, eu contava histórias das quais meus gêmeos participavam, fazendo intervenções que quase sempre me arrancavam risadas e o que seria para dormir acaba acordando todo mundo, a turminha pegava fogo quando já passava das 23 horas. 
   Das intervenções dos meus filhos guardo boas lembranças. Uma vez, quando já tinha usado todas as estratégias para que caíssem no sono sem resultado, lembrei-me de uma técnica de meditação de yoga e propus tentando a sabedoria: “Agora vocês fechem os olhos e deixem a mente limpinha, sem pensar em nada.” Gustavo, então, com quatro ou cinco anos, fechou bem os olhinhos e perguntou: “Mãe, mas eu deixo tudo preto ou tudo branco?”
   Não precisei pensar muito para entender que o moleque já tinha nascido zen. 
   Outra história imperdível aconteceu quando eles tinhas uns 8 anos e começaram a ter aulas de ciência sobre diferentes tipos de cobras. Cascavéis, surucucus, najas e as cobras d’água viraram o assunto preferido lá em casa. Com ou sem veneno, grandes ou pequenas, elas se transformaram nas estrelas da temporada. Nesta época, eles receberam a tarefa de escrever um texto sobre a cobra “colarinho”, da qual ninguém tinha notícia. Procuramos no Google e até nas enciclopédias, mas nem sinal da cobra que se tornou “rara”. A tarefa consistia em descrever as características de cada tipo de serpente e o Gustavo, sem nenhuma dúvida, desenhou uma tabela para explicar como seria a cobra “colarinho”, pelo menos na cabeça dele. 
   Grupo: Ofídio
   Família: Elopídeos.
   Características:
   - Corpo cheio de escamas pretas e amarelas
   - Não enxerga muito bem, mas sente o cheiro das presas
   - É carnívora
   - Tem língua dividida em duas partes, chamada bífida, porque ela adora bife
   - Injeta veneno nas vítimas com os dentes e depois sai rastejando toda contente
   - É meio devagar, mas sobe em árvores
   - Chega a 1 metro de comprimento
   - Habitat: a floresta onde faz uma toca para guardar seus filhotes
   E acrescentou: “Mas é uma cobra muito rara que quase ninguém conhece, por isso não tem nada sobre ela na internet,”
   Eu sabia que ele tinha inventado aquilo, mas sua criatividade merecia 10. Conversei com a professora sobre as origens duvidosas da serpente. Ela riu, falou com o Gustavo sobre a importância de separar a imaginação da realidade, mas deus os parabéns a ele que, literalmente, tinha criado uma cobra. 
   Já contei essa história algumas vezes, mas ela sempre me volta à memória quando recupero minhas lembranças de filha e minhas lembranças de mãe, nas quais tudo permanece fresco como a infância.
   Feliz Dias das Mães, todo dia. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, caderno FOLHA 2, 13 e 14 de maio de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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