Páginas

sábado, 20 de maio de 2017

AOS DOMINGOS PELLEGRINI- IDENTIDADE e NOTÍCIAS DA CHÁCARA- OBRA DA NATUREZA

   IDENTIDADE
   
   Fui à praça com Caetano e seu esquete, lá estavam  três meninos. Ele esqueiteou sempre de olho neles, até perguntar se queriam brincar de esconde-esconde. Antes, falaram seus nomes, para a brincadeira funcionar: “Fulano, estou te vendo aí atrás da moita!” – lembra?
   Semana depois voltei à praça sozinho e os meninos perguntaram: - Cadê o Caetano?
   Lembraram seu nome. Amizades podem começou com um gesto, mas são sacramentadas pelos nomes. E, quando alguém nos chama pelo nome, nos sentimos reconhecidos e ficamos mais receptivos. 
   Diante de um guichê, quase sempre sou atendido fria e secamente, como apenas mais uma unidade para atendimento. Mas então sorrio e peço com boa voz; Seu nome, por favor? Depois peço o que tenho a pedir, dizendo seu nome, e vejo uma transformação: o atendente vira pessoa a me sorrir de volta, me vendo não apenas como mais um, mas como gente. 
   Se num retorno ao guichê lembro o nome, a pessoa poderá fazer por mim mais do que a obrigação, tornando-se parceira do meu problema. 
   Na escola, um menino se chamava Deodato, e isso motivava muitas brincadeiras. Ele engolia as brincadeiras mas visivelmente irritado, o que estimulava mais brincadeiras. Um dia, o professor de Latim – era naquele tempo em que as escolas davam Latim – percebeu a brincadeira e, na aula seguinte, ao fazer a chamada, parou no nome Deodato.
   - Você sabe por que te deram esse nome?
   Deodato apenas balançou a cabeça, não sabia, e o professor comentou como se casualmente:
   - Pois é um belo nome, sabe o que significa? “Deo” é Deus em Latim, e “dado” é dado, portanto um nome dado por Deus”.
   E em seguida falou olhando para mim:
   - Como Domingos também vem de Deus, esse “Do” significa “a Deus”, e “mingus” é “delicado”. Por isso chamamos de domingo o dia de descanso semanal, que dedicamos a Deus. 
    Em detestava Latim mas, a partir daquele dia, passei a decorar com gosto todas as declinações e pronomes, que cheguei a decorar, falando tanto qui-quae-quod-etc que minha irmã falou nossa, parece um pato! Não sou pato, falei, dou Domingos, feliz com meu nome tão importante. Não virei latinista, mas vida afora passei a ter orgulho do meu nome, nossa primeira identidade. Até a brincadeira esconde-esconde começa por não esconder o nome. 

   HISTÓRIA DA CHÁCARA
   OBRA DA NATUREZA 

   Estava eu regando os vasos na varada, quando na sala o telejornal anunciou mais uma obra pública inacabada, continuei regando e ouvindo: um porto no Piauí começou a ser construído há quarenta anos e a obra está abandonada, de tão mal feita. 
Aí fiquei pensando quando teremos obras públicas entregues no prazo e... vi que estava regando justamente um de nossos vasos de flor-de-maio, todas as pontas das ramas com seu botãozinho, que engordará avermelhando e se abrirá gloriosamente. Podem vir chuvaradas ou seca a nos assolar, não importa, em maio elas florem. Sempre. Sem atrasos nem dilatação de prazo, sem aditivos contratuais ou denúncias de corrupção. E não pedem mais que água uma vez por semana. Obra... da natureza.
   Uma vez perguntei a minha mãe se valia a pena cuidar de vasos que só florem uma vez por ano, e ela: - Cada um é do seu jeito. Se flor-de-maio florisse todo dia, era maria-sem-vergonha. 
   E o telejornal disse que o porto no Piauí virará terminal turístico, que bom. Florirá, ainda que tarde. (Crônica de DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br página 3, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, Identidade, e NOTÍCIAS DA CHÁCARA, Obra da Natureza, 20 e 21 de maio de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

Nenhum comentário:

Postar um comentário