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sábado, 25 de março de 2017

SIMPLES DELEITE


   Dias desses meus amigos Toninho e Cida contaram que, preocupado com a alimentação, não estavam mais consumindo leite de caixinha longa vida. Segundo eles, para o leite durar tanto tempo naquela embalagem é preciso adicionar vários compostos químicos. Dias depois, passando na padaria para comprar leite, lembre da conversa e fui conferir os ingredientes do produto: leite de vaca pasteurizado e vários estabilizantes, com a prevalência de fosfatos. Fiz questão de observar a validade (três meses e dez dias) e as recomendações de guardar o leite na geladeira depois de aberto, consumir no prazo de quarenta e oito horas e de não fervê-lo para manter os valores nutritivos. 
   Fiquei pensando que meus amigos poderiam ter razão, por isso minha mulher estranhou quando cheguei da padaria e disse que ia mudar o hábito de beber leite, passando a consumir o produto na sua forma bruta, natural. Sem argumentos convincentes por não ter comprado o leite, eu disse a ela que existe uma grande discussão entre os especialistas a respeito dos benefícios e malefícios do leite industrializados e sobre a necessidade do ser humano utilizar leite de outra espécie animal. Mas o que me deixou mais preocupado foi saber que, atualmente, apenas vinte por cento das embalagens longa vida passam por reciclagem. 
   Dia via, dia vem e num dia qualquer, vejo da varada de casa que as vacas da chácara em gente continuam pastando, ruminando, tocando com persistência as moscas. É incrível como certos momentos nos faz voltar ao passado, revivendo coisas que nos fizeram felizes. Foi o que ocorreu comigo após olhar aquelas vacas no pasto. Voltei algumas décadas no tempo, levando o pensamento à minha saudosa Tia Adélia e suas vacas.
   Morávamos no interior e, às vezes, eu passava as férias na casa dela. Devido à alegria de viajar, nem sentia as três horas que o trem levava para percorrer os cinquenta quilômetros entre uma cidadezinha e outra. Na chegada, mal cumprimentava os tios e primos e corria ao estábulo para ver as vaquinhas: “Baiana”, “Barrosa” e “Branca”, três vacas leiteiras de boa produção. A Baiana, da raça Jersey, era marrom com manchas pretas na cabeça; a Barrosa, da raça holandesa, malhada em branco e preto; a Branca, sem raça definida, claro, era branca. 
   Meus tios tinham nove filhos para tratar e ainda sobrava bastante leite, que vendiam pela vizinhança. A estrebaria ficava afastada da casa, perto de um pasto onde à tardinha depois de jogar futebol, ajudava os primos a recolher o gado. Antes do amanhecer Tia Adélia já estava na ordenha e de manhãzinha nos servia leite numa caneca de alumínio. Que delícia o leite quentinho no inverno, direto das tetas da vaca. Muitos anos se passaram e até hoje sinto o cheiro fresco do capim, ouço o doce mugido dos animais e vejo o sorriso da querida tia. 
   Não sei o que é mais aconselhável para a saúde humana: se é o leite em caixinha, na caneca ou leite em pó. Também não tenho conhecimento para dizer se os seres humanos precisam beber leite a vida toda. O que posso garantir é que a experiência de vivenciar uma ordenha bebendo leite na caneca é bem mais interessante que abrir uma caixinha longa vida. (Crônica escrita por Gerson Antonio Melatti, leitor da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 25 e 26 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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