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sábado, 18 de março de 2017

A POBREZA E O CÉREBRO DAS CRIANÇAS

 

   VIVER NA pobreza coloca em risco o desenvolvimento do cérebro das crianças. Mais tarde, elas levarão desvantagem nos testes de quociente intelectual, terão mais dificuldade de intelecção de textos, de concentração e de autocontrole. 
   O grupo de Kimblerly Noble, da Universidade Columbia, está iniciando um estudo que pretende realizar testes cognitivos para avaliar a integridade de diversos circuitos cerebrais, do nascimento à adolescência, nas crianças nascidas em famílias mais pobres. 
   Com essa finalidade, levantaram fundos para um programa no estilo do nosso bolsa-família. 
Serão acompanhadas mil crianças norte-americanas, dividas em dois grupos: no primeiro, as mães recebendo durante três anos, a quantia mensar de U$ 333 para suplementar o orçamento doméstico; no outro, a suplementação será de apenas U$ 20. 
   Nos dois grupos serão aplicados testes periódicos para avaliar as habilidade cognitivas visuais e auditivas, além de outras envolvidas no aprendizado e na tomada de decisões 
   Vão ser analisadas, também, aspectos da vida familiar, como os níveis de estresse, a qualidade dos relacionamentos e o uso dos recursos recebidos. 
   O grupo começou a trabalhar nesse campo há 15 anos, quando recrutaram famílias de status socioeconômicos desiguais, para estimas as habilidades intelectuais de seus filhos, do jardim da infância à adolescência.
   De modo geral, as crianças das famílias mais pobres levaram desvantagens no teste de linguagem e memória e nas capacidades de autocontrole e concentração. 
   Esses resultados estão de acordo com os de outros grupos que encontraram nas crianças das camadas mais pobres, alterações anatômicas em áreas do cérebro envolvidas na cognição, entre as quais uma diminuição de volume do hipocampo, estrutura essencial para a formação das memórias. 
   Em trabalho publicado na revista “Nature Neuroscience”, Noble mostrou que 1,099 crianças americanas estudadas, o nível educacional dos pais e o salário da família estão associados às dimensões do córtex cerebral, a camada mais superficial, formada pelas reentrâncias e saliências que coordenam funções complexas: memória, linguagem, atenção, pensamento abstrato e consciência. 
   Crianças mantidas com rendas familiares anuais abaixo de U$ 25 mil, apresentaram áreas do córtex cerebral em média 6% menores do que aquelas criadas em famílias que vivem com mais de R$ 150 mil anuais. 
   A associação entre renda familiar e volume de determinadas áreas é encontrada, em diversas partes do cérebro, mais é mais pronunciada nos centros que governam a linguagem, o controle de impulsos e outras formas de autorregulação 
O cérebro é o órgão que mais consome energia. No recém-nascido, 87% das calorias ingeridas são gastas por ele. Esse número cai para 44% aos cinco anos, 34% aos dez, e para 23% nos homens e 27% nas mulheres adultas. 
   As diarreias e as infecções parasitárias da infância interferem com o equilíbrio energético, uma vez que prejudicam a absorção de nutrientes e obrigam o organismo a investir energia na reparação dos tecidos lesados e na mobilização do sistema imunológico, para localizar e atacar os germes invasores. 
   Aos três anos de idade, o cérebro da criança atingiu 80% das dimensões do adulto. Nessa fase, já existem 1.000 trilhões de conexões entre os neurônios (sinapses), aparato essencial para que o desenvolvimento intelectual aconteça em sua plenitude. 
   Dos 18 meses aos quatro anos de idade, a maturação do córtex pré-frontal acontece com velocidade máxima. Essa área, que coordena funções de altíssima complexidade, depende de estímulos cognitivos múltiplos e variados, para formar novas sinapes e reforçar a arquitetura das já existentes. 
   O estresse causado por ambientes domésticos conturbados interfere com a construção e a arquitetura das sinapses, deixando falhas duradouras no cérebro infantil. 
   Estrutura cuja característica fundamental é a plasticidade, isto é, a capacidade de formas novas conexões neuronais para suprir as que se perderam ou nem chegaram a se formar, p cérebro adulto poderá se recuperar mais tarde. A reconstrução, no entanto, será um processo laborioso, lento e imperfeito. ( Crônica escrita pelo médico DRAUZIO ARELLA , página C10, coluna DRAUZIO VARELLA, sábado, 18 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S. PAULO).  

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