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domingo, 13 de novembro de 2016

LIVRE PARA PINTAR NAS NUVENS

   O artista plástico Benê Olivier faleceu em Porto Seguro, antes deixou em Londrina as marcas de seu trabalho
   O artista plástico Benê Olivier viveu durante muitos anos em Londrina. Pintava personagens populares e cenas do cotidiano, era também um mestre da xilogravura. Lembro-me de uma de suas fases, quando as telas pintadas a óleo ou acrílica tinham pequenos parafusos presos às articulações das figuras. Lembro-me de brincar com ele dizendo que “punha na tela os parafusos que faltavam na cabeça”. Na verdade, o considerava um artista autêntico. 
   Esta semana, andando pelo centro de Londrina, soube através do artesão Jajá que Benê Olivier havia falecido há cerca de um mês em Porto Seguro (BA). Fiquei triste e surpresa ao saber que morreu num “porto seguro” um artista que vivia nas ruas de Londrina, pintando nas ruas e vias públicas, encarnando o ideal romântico com sua bonita e muita concentração no trabalho. 
   Benê poderia ser nosso Carybé ou nossa Djanira pela sua predileção em pintar tipos populares, figuras das ruas, dos bares, em cenas de diversão ou trabalho, a exemplo do que faz o outro artista autêntico que vive entre nós: Agenor Evangelista, um dos idealizadores da Mostra Afro-Brasileira Palmares que existe há décadas e começa amanhã mais uma edição em Londrina. 
   Os três juntos – Benê, Jajá e Agenor – formaram uma geração de outsiders talentosos, não há quem conheça arte que não os conheça em Londrina. Nunca pintaram à beira do Sena, nem em Manhattan, mas espalharam cor pela cidade durante décadas. Vêm de um tempo em que os artistas não expunham nos shoppings, mas nas praças, só que Benê viveu um episódio triste. 
   Anos atrás, proibiu os artistas de trabalharem nas ruas - Benê foi um deles – quiseram prender a arte num cercado. O centro nunca mais foi o mesmo, ficou sem artistas plásticos populares. Hoje, eles podem exercer seus ofícios, mediante uma autorização, obedecendo ao Código de Posturas do município, mas o movimento nunca mais foi igual. 
   Artistas estão em quase todas as cidades e capitais do mundo. Artistas nas ruas melhoram nosso humor nas segundas-feiras, alegram nosso fim de semana, sejam músicos pintores, atores. Isso é cultural e histórico, um marco das relações urbanas.
   Ao saber da morte de Benê Olivier, liguei para o Centro de Cultura de Porto Seguro, atendeu-me Anderson Cristo, auxiliar administrativo do órgão que faz parte da Secretaria de Cultura da Bahia. Fiquei mais tranquila ao confirmar o que já havia visto no internet: Benê fez uma última exposição no mês de maio, uma exposição que reuniu seu trabalho em linguagens diferentes: pintura em acrílica e óleo sobre tela, xilogravuras e esculturas. A curadoria foi de professores da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB – e foram programadas visitas guiadas de alunos das escolas públicas ao Centro Cultural que sediou o evento. Ainda haveria uma segunda exposição de Benê Olivier organizada pela prefeitura de Porto Seguro, no centro histórico, mas o artista faleceu antes. 
   De seus trabalhos em Londrina, fica na memória um painel pintado na fachada da Imobiliária Veneza, muito conhecido. Na época em que ele fez esse trabalho os grafites ainda não eram tão populares e nem se via por aqui pinturas em grande escala, como elementos de intervenção urbana. Benê foi pioneiro, deixando suas pinturas nas paredes, antes de expulsarem sua arte das ruas. As empresas e administração dos edifícios devam investir mais nisso, melhora a relação das pessoas com a cidade que se torna lúdica e valoriza a arte de quem vive dela.
   Aquela fachada pintada por Benê é uma pegada que o artista deixou na cidade e a quem desejo um “porto seguro”, esteja onde estiver. Ele agora está livre para pintar nas nuvens ou onde quiser.. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celia.musilli@gmai.com página 2 e 3, caderno FOLHA 2, 12 e 13 de novembro de 2016 publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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