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sábado, 3 de setembro de 2016

FORNO DE SÍTIO


   Lembro daqueles fornos de pão que havia antigamente nos sítios. Depois de fazer os pães, colocavam-se umas folhas de bananeiras embaixo da massa para não queimar. Depois de assados, saía aquele cheiro gostoso que ia longe. 
   Quando eu ia para o sítio dos meus tios, em Cambé, a hora mais esperada da visita era a hora do café. É claro que não vinha só “o melhor café do mundo produzido por essas terras roxas” naquelas xícaras grandes com pires e tudo, mas vinha também o pão caseiro com uma geleia ou doce de cidra, doce de laranja, figo, queijo feito pela minha tia e mais uma infinidade de alimentos que não lembro mais e que a hospitalidade daqueles parentes nos oferecia de bom. Saudade daquele tempo. 
   Eu sempre gostei de pão. Tenho fotos de quando era pequeno em que estou comendo pão, com a barriga fora da camisa. Meu pai teve padaria por anos, mas nunca aprendi a fazer o alimento, ficava mais no balcão.
   Já meu pai sabia fazer pão. Sentia nas mãos a farinha e sabia se era boa ou não para determinado tipo de pão. Conhecia os segredos de uma massa, como dosar o fermento e saber a temperatura do ambiente e do próprio forno para assá-lo corretamente. Amava o que fazia. Mesmo depois que ficou quase cego pelo glaucoma ainda tinha a habilidade de um bom padeiro, embora tivesse mais limitações. Meu irmão mais velho, também padeiro, diz que quando for para o céu com certeza vai encontrar o meu pai fazendo pão lá.
   Forno de sítio e forno de padaria podem ser diferentes, mas as mãos que fazem os pães têm que estar prontas para o serviço, senão a massa não cresce e o pão fica solado. É como aquela história de o pessoal dizer que depende da pessoa para fazer rapadura ou sabão. Antigamente, havia muita superstição a respeito de dar o ponto nessas coisas. Se não souber fazer, é claro que não dá o ponto e sai tudo errado. 
   Lembro também que uma de minhas tias tinha um fermento de litro que se renovava havia muitos anos. Usava-se um tanto e deixava-se um pouco do anterior para fermentar e renovar o produto. É como o pão mandi e o pão sovado que no preparo se usa sempre um pouco de massa mais velha para fermentar a nova massa. Quando o pão é cortado e vai para o forno ele simplesmente desabrocha como flor na hora de se dar o vapor. É um verdadeiro espetáculo. 
   Lembro de ter ido com meu pai a uma padaria na Avenida Duque de Caxias, na década de 1960, que tinha um forno com dois andares. A parte inferior tinha uma pequena escada para o forneiro trabalhar com uma pá comprida de madeira, de aproximadamente dois metros de comprimento e um palmo de largura, sendo afinada nas laterais para poder pegar os pães com mais facilidade. Era uma arte levar uma fileira com mais de 30 pães ao forno sem deixar nenhum cair ou deixar a fileira torta. 
   Hoje, quando entro numa padaria, sinto muito respeito por quem faz e vende o pão. Sei o trabalho que dá. Vejo também o sacrifício de cada grão de trigo que se faz farinha para saciar a fome das pessoas. O trabalho de quem planta, colhe e se sacrifica no trabalho de uma lavoura difícil. Assim como o trabalho de moagem, enfim, para se chegar ao produto final. 
   Dia desses, quando me perguntaram se tenho saudade do tempo de padaria, respondo que foi muito bom trabalhar no ramo, mas hoje, eu gosto de entrar em padaria só para comprar. E sair com um punhado de pães quentinhos num saco de papel escrito “volte sempre”. É claro que sempre voltarei. (DAILTON MARTINS, leitor da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno Folha Rural, 3 e 4 de setembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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