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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A ERA DE EMPATIA QUE AS REDES SOCIAIS NOS ROUBARAM


   As mídias sociais são repetitivas, assim como quem nela se reproduz. E nesta repetição, vez ou outra surge em timelines um texto que diz: “Falta amor no mundo, mas também falta interpretação de texto”. Como estudante do discurso, tal frase chama-me muito a atenção para as inúmeras possibilidades de versões que esta máxima traz. Falta, sim, muito amor no mundo. Falta também, bastante interpretação textual. Mas creio que, ultimamente, tem faltado ainda mais a empatia. 
   Na Carta aos Colossences , o Apóstolo Paulo advertiu: “Suportai-vos uns aos outros!” (3, 13) . O Houaiss oferece para este verbo três definições: 1) ser capaz de segurar ou carregar; 2) tolerar, aturar, conviver pacificamente; 3) ser firme diante de algo (penoso). Tais declarações propiciam ir muito além a partir delas: carregar o fardo do amigo que sofre e não apenas um peso material; segurar a barra quando as coisas em casa não vai bem; tolerar aquele trabalho cujo clima beira o inóspito por uma razão justa; aturar alguém que nunca quer amadurecer frente as adversidades; conviver pacificamente com quem lhe faz – ou tenta fazer – o mal respondendo-lhe sempre com o bem; ser firme diante de algo injusto, não porque se quer tirar vantagem ou lhe atinge, mas tão-somente em comunhão com a dor do próximo que, às vezes, nem lhe é tão próximo assim, faz-nos crer que suportar uns aos outros, como sugeriu São Paulo, é, antes de tudo, ser empático.
   Empatia vem do grego empatheia e significa “paixão”. Presume-se uma comunicação afetiva para com o outro. É sinônimo de compaixão, que do latim denota “sofrer junto”. Diferente da simpatia, que é um laço criado pela inteligência, a empatia envolve a emoção: sofre-se no lugar do outro, pelo outro, com o outro. Ama-se, alegra-se, chora junto. Tudo com, nada só.
   E as redes sociais, com todos os benefícios que nos trouxe, abriram-se as portas também, para os apáticos, os indiferentes, os repugnantes. Ou, como afirmou Umberto Eco: “deram voz a legião de imbecis”. “Fatura-se” ao preço da indiferença com fotos de artistas mortos, comentário depreciativos, vídeos cujos objetivos sejam apenas denegrir e expor qualquer cidadão )de preferência algum que tenha prestígio, que é para manchar a imagem), além de se tornar o antro do bisbilhotar alheio: verifica-se o que você come e, se não gosta, bane-lhe. Observa-se onde vai e, se não aprova, massacra-lhe. Aproveita-se para ver se está andando no caminho de Deus, pois caso não esteja, trata-se de informar-lhe ali mesmo, para que sirva de exemplo aos demais, que tipo de pessoa está apta ao inferno. Finge-se, similarmente, ser bom: compartilha-se imagens de bichos mortos ou bebês deformados crente que tal ato gerará uma renda de $ 0,01 sem nunca procurar saber se isso é verdade, ou ainda sem nunca ir a um orfanato dar a uma criança a alegria da presença quente e humana e, com ela, entender que há sofrimentos maiores que se pensou. Ai dos gays, dos cristãos, dos petistas, das loiras, dos negros e dos ateus! Se não andarem conforme mandam as regras sociais do ambiente virtual, não serão perdoados! Não passarão! 
   Falta, sim, amor no mundo. Falta, também, interpretação de texto. Mas falta, demasiadamente, a empatia. O que não falta é a oportunidade de usar a velha máxima de nossos antepassados, e que voluntariamente tem ficado despercebida. “A palavra vale prata; o silêncio vale ouro”. Silenciar é um meio de ser empático. É uma forma, idem, de ajudar aos de bom espírito a praticarem o que pediu Paulo: suportar a era que poderia ser de empatia, mas que as redes sociais nos roubaram. E só nos roubaram porque “curtimos”. (EVELYN MAYER, professora de língua portuguesa e mestranda em Estudos da Linguagem na cidade de Londrina, página 2, coluna ESPAÇO ABERTO, quinta-feira, 29 de setembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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