Páginas

domingo, 28 de agosto de 2016

SENHORA DO BOSQUE


   Em Londrina, a peroba hoje é uma espécie de totem gigante que conta a história dos séculos entre o céu e a terra
   Muitas já viraram viga, estaca, assoalho, porta, veneziana, uma casa inteira. Não fosse a Senhora Peroba Rosa, os habitantes de Londrina, sobretudo dos anos 40 e 50, teriam vivido em palhoças feitas de materiais muito mais vulneráveis neste fabuloso pedaço de Mata Atlântica. Mas as perobas estavam aqui, intactas, firme e fortes, madeira da melhor qualidade que serviu a casas que duraram décadas e durariam mais se não fosse o seu desmanche para dar lugar a edifícios que roubam uma parte da memória afetiva da cidade.
   Com a vinda dos imigrantes estrangeiros, a madeira virou outro tipo de ouro nas mãos de caprichosos marceneiros japoneses e alemães, por exemplo. Ainda existem em Londrina casas de madeira que têm nas varandas verdadeiras “rendas” de madeira esculpida no seu acabamento e treliças que filtram a luz e dão privacidade. 
   Quando passeio pela cidade, exercitando meu lado flaneur que consiste em andar ao sabor do vento e das ideias – quase sempre paro diante do que sobrou dessas casas e fico imaginando as mãos as mãos hábeis que projetaram amor nos locais que habitaram. Porque esculpir a madeira é um modo de amá-la. 
   Uma pena que não tenha sobrado muito dessas casas nem dessas árvores. A colonização implicou numa devastação das matas e as perobas foram sacrificadas. Em Londrina, a peroba hoje é uma espécie de totem, um totem que tem raízes entranhadas no fundo da Terra e se liga ao céu guardando a história dos séculos desde que era semente até se transformarem num monumento vivo.
   Tenho a felicidade de morar em frente ao Bosque no 6º andar de um edifício, das janelas vejo o exemplo mais imponente da Senhora Peroba Rosa que sobrou no centro da cidade. Naquele tamanho é um exemplar único. Eu a reverencio todos os dias, seu design me inspira a olhar sempre para o alto. Às vezes saio do prédio e vou visitar a Senhora. Olho para cima e vejo o tronco subir aos céus com seus nódulos e nervuras. Só de olhar percebo que estou diante de uma espécie potente percorrida por insetos e pássaros. As árvores são vias da vida, mas nem todos se sensibilizam com isso.
   Dizem os especialistas que as perobas precisam de vegetação por perto, outras árvores. São do tipo que sucumbem à solidão, por isso tenho mapeado a vizinhança desse gigante que passa pela minha janela e a ultrapassa. Tento compreender qual o seu grau de solidão para tomar providências, não sou indiferente aos vizinhos, interajo com eles mesmo quando são vegetais. 
   Creio que a Senhora Peroba Rosa do bosque atinja hoje a altura do oitavo andar dos prédios. No último temporal as árvores foram sacudidas por ventos fortes mas ela não se vergava, apenas na sua copa os galhos balançavam como se fossem cabeleira. No mais, ela permanecia íntegra, imóvel, segura como quem tem pés bem plantados.
   Às vezes imagino que espécie de filme ou sonho se passa nas suas raízes. Ainda não inventaram equipamentos para que a gente percorra o mundo por baixo, mas civilizações míticas cultivavam a ideia de que existem habitantes abaixo do solo. Ouvi muito dessas histórias em estados como o Amazonas e o Mato Grosso, as lendas indígenas talvez sejam responsáveis por esses contos fabulosos. A eles soma-se relatos de garimpeiros e outros homens que trabalham abaixo da superfície, encaro-os como literatura e sei que são partes do respeito profundo que alguns povos têm não só pelo que se passa em cima, mas pelo que se passa embaixo, , sabem que tudo é mundo em suas redondezas. 
   Apesar de nunca ter feito uma viagem intra terrestre, o que vejo me faz pensar nos livros de Júlio Verne. Como um inseto ou andorinha identifico as vias da vida, num trânsito silencioso que me leva a outros mundos, enquanto os automóveis buzinam como as pessoas indiferentes. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celia.musilli@gmail.com página 4, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, domingo, 28 de agosto de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

Um comentário:

  1. ola adorei a publicação,sou estudante de arquitetura e gostaria de homenagiar a peroba rosa com um monumento no bosque,para meu trabalho,porem precisaria de mais informacoes e fotos,se possivel ficaria contente de receber um feedback!obrigada.

    ResponderExcluir