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quinta-feira, 28 de julho de 2016

LIÇÕES DO CAMINHO


   Percorrer quilômetros e quilômetros com um bastão na mão e dez quilos nas costas, é com certeza muito mais que uma simples caminhada! Andar ao longo de trinta dias na direção de Santiago, não implicará necessariamente em se contentar com a chegada a esse lugar. Trilhar um caminho é regatar a maior alegoria da vida humana. Nossas células psíquicas e espirituais nos impelem a caminhar. A avançar sem nunca pararmos! “ Não temos aqui morada permanente” Somos exilados e peregrinos de uma experiência existencial que não contempla stops antecipados.
   Caminhamos com pouco ou quase nada. A vida nos ensina a buscar uma agilidade que possibilite usufruí-la de forma total, sensorial e não apenas racionalmente. Carregar excessos, arrastar pendências, conflitos, relacionamentos que nos fazem mal, pode inviabilizar o próprio ato de viver que vai muito além do simples existir. Descobrimos que se vive bem, apenas com o essencial e que ele mesmo pode ser ainda partilhado ao longo do caminho. Se nossas feridas não precisam ser curadas, outros peregrinos ficarão felizes com o nosso bálsamo. O corpo e a mente agradecem a leveza possível com que caminhamos. Pagamos caro quando não conseguimos diminuir o que nos parece fundamental para a jornada. 
   O caminho coloca as cores de uma axiologia e do próprio transcendente na rotina que nos envolve no dia a dia e que constitui em última análise o trilho do próprio viver. Sim! Viver bem e intensamente, passa pela valoração do que consideramos simples e básico. Quem se põe a caminho percebe que rotina não é sinônimo de alienação nem de “piloto automático”. O caminheiro na singeleza de seu caminhar, contempla, reflete e se pergunta. Torna-se filósofo, vira verdadeiramente humano. 
   Existem centenas de odores e cores no Caminho de Santiago. Uma exuberância de vida que se renova a cada primavera. Também isso é profundamente simbólico. A vida humana está longe de ser em preto e branco. É colorida! É um arco-íris. Ninguém é detentor da verdade, porque ela não se deixa aprisionar por nenhum sectarismo ou parcialidade. Não é relativismo, é a imposição da própria essência que procuramos. A riqueza da caminhada está prioritariamente nessa procura. Nesse processo todos os caminheiros acrescentam algo importante e nos enriquecem. A terminologia crente e não crente perde todo o sentido na poeira do caminho e dá lugar à solidariedade da própria busca do absoluto que sempre nos impulsiona para o advir do mais e melhor. Um caminho que se faz caminhando é a existência humana que se torna concreta e definida no aqui e agora da história, quando o seu protagonista abomina o sedentarismo e tece com paciência e determinação os fios que a conduzem à sua plena realização. 
   Há uma ética que envolve quem caminha. O peregrino não atrapalha ninguém, mas não abandona quem quer que seja. Todos se sentem respeitados e nenhum se sente sozinho! Embora todos falem inúmeras línguas, a comunicação fui extraordinariamente, pois a sintonia e a magia do caminhar a todos contagia. Há nisso uma linguagem universal que resgata o ser humano enquanto tal, o aproximando de seu semelhante. Num mundo que tem sublinhado as diferenças e exacerbado os preconceitos, o Caminho de Santiago é o antídoto! Quem se dirige a tão nobre objetivo com determinação e sacrifícios, não tem tempo a perder e não exclui ninguém dessa mesma caminhada. Ninguém retorna incólume de uma aventura assim! ( MANUEL JOAQUIM R. DOS SANTOS, padre da Arquidiocese de Londrina, página 2, ESPAÇO ABERTO, quinta-feira, 28 de julho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).          

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