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sexta-feira, 24 de junho de 2016

SOBRADO NA ÁROVRE





      Ajudante de pedreiro ergue barraco de dois andares na zona norte de São Paulo

   Em uma praça da Freguesia do Ó, próximo à avenida General Edgar Facó, na zona norte de São Paulo, os galhos de uma falsa-seringueira (Ficus elástica) alongam-se até formar uma copa de 35 metros de diâmetro. No alto de seus galhos, José Jesus dos Santos, 30, fez sua casa. 
   Construído há cerca de um mês , o “sobrado” ameniza as noites de frio do ajudante de pedreiro que há quase dez anos vive na rua. 
   A construção é uma segunda empreitada sobre a mesma árvore. A primeira durou alguns meses, mas foi destruída pelo fogo numa noite em que adormeceu com uma vela acesa. 
   Os dias que se seguiram ao incêndio foram de culpa por ter “maltratado” a árvore que lhe serviu de abrigo. Passou a perambular pelas regiões da Freguesia do Ó. Dormiu no cemitério do bairro. Depois foi para uma praça, onde conheceu Francisco Polli, 60. 

   UM NOVO PROPÓSITO

   Amigos de rua, Santos viu em Francisco um novo propósito e decidiu: “Tiozinho, agora que o frio está chegando, vou construir um barraco para você”, disse. “Mas como, se você não tem madeira nem um terreno?, respondeu o amigo. 
   O terreno Santos já tinha em mente qual seria. Faltava-lhe a madeira. 
   O material foi encontrado enquanto buscava latinhas nas ruas. Santos viu a madeira em uma caçamba de entulho, ao lado de uma igreja. Era uma autorização divina, acredita ele, para construir uma casa sobre a árvore da praça. 
   Ergueu quatro paredes de madeira, apoiadas nos galhos das árvores”. “A fundação foi Deus quem fez, eu só terminei a casa. A minha mansão”, conta o ajudante de pedreiro. 
   Pregou as primeiras tábuas no tronco da falsa seringueira, fazendo a seiva da árvore escorrer. “Aquilo mexeu no meu coração. Vi aquilo como se eu estivesse sangrando, machucando uma vida. Então decidi que não colocaria mais nenhum prego nela”, conta. A partir daí, Santos terminou sua casa, apoiando o restante das madeiras nos troncos.
   Dois pavimentos, telhado impermeável, uma pequena geladeira que serve de armário e uma janela improvisada feita com um compensado. 
   “Nem acreditei quando vi pronto”, conta Francisco. Ele confessa que teve medo que a construção caísse, de que não duraria um dia em pé. “Eu não queria nem subir”. 
   “É sólida”, vangloria-se Santos. O ajudante de pedreiro escala a árvore para pular em cima da construção e comprovar a segurança do imóvel. 
   O amigo dorme no primeiro andar da casa, num espaço de cerca de um metro de altura, que abriga colchão e cobertores. 
   Santos fica com o andar de cima do “sobrado”, onde dorme com um tapete surrado. A divisão dos dois andares é uma antiga porta.
   Do lado de dentro da casa, com um termômetro eletrônico é possível aferir que a temperatura pode ser 5ºC mais quente do que no exterior, o que trouxe alívio para seus dois moradores nos últimos dias de frio. “Tem noite em que tem que abir a janela, de tão quente que fica.”

   PERMANÊNCIA
 
   Agora crente que a casa é segura, Francisco teme apenas a ação da Prefeitura e da Polícia Militar. “Acho que vão nos tirar daqui”, explica. 
   “Eles não estão atrapalhando ninguém. Se saírem daí para onde eles vão? Eles estarão mais expostos na rua”, comenta a moradora da região Regina Costa, 60, que na terça (21) passava em frente à casa da árvore. 
   O temor de Francisco é justificado, já que a construção de tendas e barracas feitas por moradores de rua é proibida pela Prefeitura de São Paulo. Os dois moradores da árvore já foram inclusive abordados por agentes da gestão Haddad (PT), que está ciente do abrigo erguido por Santos. 
   Nascido no interior do Sergipe, o rapaz chegou em São Paulo há dez anos . Trabalho como ajudante de pedreiro em construtoras e como auxiliar de padeiro até que, depois de uma desilusão amorosa e o desemprego, foi parar na rua. 
   Há três meses em contato com a família, em Itabaianinha (SE), ele espera conseguir um emprego para juntar dinheiro e voltar para o Estado natal. “Quero ver meu pai, que está mal. Espero dar vários abraços nele. ( FABRÍCIO LOBEL – de São Paulo, página B4, caderno COTIDIANO, quinta-feira, 23 de junho de 2016, publicação dom jornal FOLHA DE SÃO PAULO).

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