Páginas

sábado, 5 de dezembro de 2015

DE ONDE VÊM AS SEMENTES DE GIRASSÓIS?

  

   Quando aquele girassol apareceu no quintal da minha irmã, não houve explicação racional que nos fizesse entender o como de ele estar ali! Passarinhos não carregavam as sementes para lá! Mal eles apareciam por lá! Não havia no perímetro urbano sequer vestígio de algum outro girassol que não fosse aquele da minha irmã. Até que ele ganhou um companheiro. Ao romper um novo pedaço de cimento na terra, a fim de ver se entendia como o girassol nasceu, brotou outro, e quanto mais ela abria o cimento, mais girassóis nasciam. E, o mistério ficou tão insuportável que nós fazíamos as vezes de Sherlock Holmes tentando desvendas as peças do quebra-cabeça. 
   Foi numa tarde de domingo, na qual fui visitar minha irmã e sua plantação urbana de girassóis, que dei de cara na porta. Fiquei um pouco frustrada. Recostei no portão e ao lado estava o vizinho. Um homem de muita idade, sozinho, sentado sobre uma cadeira de rodas. Suas funções motoras estavam debilitadas por um derrame que sofreu alguns anos atrás; ele não era mudo, mas quase nunca falava. Todas as vezes que nos encontrávamos eu sorria e dizia “Bom Dia” , mas ele me respondia com aquele resmunguinho rabugento e engraçado que algumas pessoas adquirem com a idade. Naquele domingo, ele estava recebendo a visita da sua filha. Ela ia ao menos uma vez ao dia, o levava para tomar sol e curtir as crianças correndo no quintal. Ela conversava horas com ele, que só a ouvia, com um olhar perdido, meio triste... O muro de encontro entre a casa da minha irmã e a dele era bem baixinho e dava para vê-los, batia sobre os ombros dele sentado.
   Ao me ver parada ali na frente da casa, ele fez sinal para mim. Eu me aproximei, com meu sorriso e meu ‘Bom dia!’, que ele dispensou. Cheguei perto e ele disse com dificuldade: ‘sou eu’. Confusa eu disse: ‘como?’. ‘Sou eu, os girassóis”. Ao que abriu vagarosamente sua mão e havia nela algumas sementes da flor meio camufladas. Eu tinha tantas perguntas, tantas dúvidas, mas ele mal queria falar comigo. Disse que só tava contando que era para a gente parar de falar no assunto. Ei ri! E perguntei por que ele jogava as sementes no quintal da minha irmã. A resposta foi direta: Porque não gosto de comê-las. 
   A filha chegou e nosso diálogo acabou. Ele voltou a sua mudez original, eu entendi e me afastei. Se eu contasse o que havia acontecido comigo ninguém na minha família ia acreditar. ‘Você tem muita imaginação , Patrícia, onde já se viu culpar o pobre homem de jogar as sementes de girassóis”. Então nunca contei!. ( PATRÍCIA MARIA ALVES, jornalista na Folha de Londrina, crônica do espaço DEDO DE PROSA, página 3, FOLHA RURAL, sábado, 5 de dezembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

Nenhum comentário:

Postar um comentário