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domingo, 22 de novembro de 2015

ONDE ESTÁ O CORAÇÃO?



   Tragédias como a de Mariana, Paris ou Nigéria mostram que a sensibilidade está em deficit no mundo

   Depois da tragédia ambiental em Mariana, dos atentados terroristas em Paris e na Nigéria – este bem menos comentado na mídia – sobra a ressaca nas semanas seguintes, quando dá uma tristeza enorme de ver o mundo contemporâneo mergulhado em duas pragas que se equiparam àquelas da Bíblia. Estou falando do fundamentalismo religioso e da destruição ambiental que não deixam de ser a cara escarrada da crise do capitalismo. O fundamentalismo retoma a visão conservadora do mundo, em vez de libertá-lo, é uma ideologia nefasta quando transforma a ideia de Deus em disputa, espécie de fetiche pudico que cega a humanidade, assim como o ambicioso faz o mesmo papel por dinheiro. Se analisarmos sob essa ótica, ambos são produtos do mesmo vício, o de não olhar a vida de forma ampla, inteira, generosa, tratando as diferenças de crença e de desejo com respeito humano. 
   A vontade é de sair às ruas em manifestações pacíficas que parecem cada vez mais distantes do ideal do homem. A França tratou ede bombardear a Síria após o atentado em Paris, isso não vai resolver a crise, vai acirrá-la. Minha impressão é que isso é o que o Estado Islâmico mais quer, ficar no centro da mídia, como autor e vítima da violência, essa é sua idolatria.
   O atentado na Nigéria, na sequência – que matou mais de 40 pessoas de forma bruta, inclusive usando meninas de 7 e 11 anos como “mulheres-bomba”- não teve a mesma repercussão do atentado em Paris. Não vi plantões noticiosos na TV, não vi comoção popular no Ocidente, nenhuma flor, nenhuma lágrima, nenhum avatar com a bandeira da Nigéria nas redes sociais. O que mostra que o mundo ainda elege mortes como sendo de primeira e de segunda classe. 
   Por outro lado, no meu ponto de vista, em relação à tragédia ambiental de Mariana o que menos a mídia mostrou foi o aspecto humano. Falam em números e cifras, falam na concentração da lama, mostram o distrito de Bento Rodrigues destruído em vista aérea, mas foi num vídeo alternativo de Caíque de Castro, de Governador Valadares, que pude ver e ouvir a população de forma mais expressiva, ganhando a voz obliterada em outros meios. Essa voz às vezes quase desaparece em detrimento dos aspectos jurídicos, econômicos e políticos da maior importância – afina são eles a consequência e a causa da desgraça – mas nada disso tem valor se não for para revelar o humano. 
  O sofrimento das pessoas sem água – no trajeto da lama, que foi de Minas Gerais até foz do Rio Doce no Espírito Santo – é maior que qualquer multa aplicada às empresas causadoras do desastre ambiental. Além da carência de água potável, era preciso olhar de perto tristeza imensa de quem perdeu um rio inteiro, psrte de sua cultura, seus familiares, sua história. A mídia vem perdendo o vínculo humanitário com as notícias ou talvez esteja escondendo aquilo que pode causar uma comoção maior: as vítimas da tragédia de Mariana ou da Nigéria. Mas é na fla simples, na economia minúscula da pesca que dá renda à população ribeirinha do Rio Doce ou do Xingu, estão aqueles que mais amam e protegem a a natureza aviltada. Essa gente precisa ter voz, precisa ser consideradas pelas câmeras em zoom.
  Não tenho dúvidas que a marcha do capitalismo hoje, em sua forma mais selvagem, é a desse trem descarrilhado da destruição ambiental que corta o Brasil de ponta a ponta. É preciso falar disso e, mais do que se valer de números, precisamos mostrar a tragédia pelo coração. Mais do que a política, mais do que a religião, esse é o único órgão não burocrático que pode, enfim, salvar o mundo. ( celiamusilli@gmail.com FOLHA 2, página 4, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 22 de novembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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