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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

TENHO QUE SOLTAR A BICICLETA



   Filha da minha alma, hoje tenho que fazer algo que torci para que demorasse muito: o momento de largá-la para que outro cuide com amor.
   Acordei pensando naquele dia no Bosque onde lhe ensinava a andar de bicicleta e aos poucos  retirei as rodinhas. Com medo pedia que a segurasse e depois de um tempo a soltei, e agitada dizia: “papai não me solta!”. E  eu já havia te largado e conseguiu manter-se pedalando sem mim.
   Confesso que tive medo de haver uma queda, porém foi necessário te deixar seguir só. Naquele instante não percebi que largava só a bicicleta, mas as rédeas de sua vida para que seu voo solo tivesse início.
   Você sempre foi meu “grude”, aproveitou nossa volta de lua de mel e veio dentro de sua mãe, alertando que não nos largaria facilmente, mas... chegou a hora!
   Tantos momentos mágicos que desfrutamos com intensidade em nossa casinha: seu medo dos meninos da rua cortarem nossa arvorezinha de ipê branco para fazerem uma forquilha. E o nosso balanço em frente da casa que os meninos levaram, e  eu tentando de consolar disse: deixa filha, posso fazer outro. Eles  não tem um pai para fazer para eles”. Foi uma tristeza só. Nossos “racha” de carrinho de rolimã, no “Monte Everest”, as pipas que insistia em colar, nas suas mãozinhas pequenas e sem habilidade (hoje confesso, me irritavam um pouco), não conseguiam sem furar a seda, e aquele campeonato da menor pipa, lembro que teve muito orgulho do seu pai vencer, sem apresentar a menor que estava no meu bolso, e me olhava toda feliz.
   Eu era seu tudo, seu mundo girva em torno de seu falho pai que procurou até hoje te conduzir de maneira ética e buscando fazer-te uma mulher carinhosa e generosa. Não fui o melhor pai da Juvenal (nossa rua), mas fui o melhor que conseguia ser.
   Bem, mais isso e muitas outras estripulias que deixavam sua mãe de cabelo em pé são retalhos de um passado mágico que queria eu eternizar se assim pudesse, mas a vida segue e hoje deixará seu primeiro amor para casar com o homem que esperou no Senhor um tempo longo, que para mim foi tão curto...
   Quando eu estiver te levando para o altar de Kombi não vou conseguir ser forte, certamente chorarei de comoção, mas estarei feliz sabendo que “Como flechas nas mãos de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade”.
   Vai em paz, vou ficar bem, e se possível volte com um netinho par que eu possa ensiná-lo a soltar pipa. ( VALDIR FLORA BATISTA, teólogo e empresário em Londrina, página 3. FOLHA 2, espaço CRÔNICA, publicação do jornl FOLHA DE LONDRINA, quarta-feira, 26 de agosto de 2015).

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