Páginas

sábado, 1 de agosto de 2015

O TOCO E AS MARMITAS

                 


   Da infância guardo poucas lembranças. Mas aquelas que a mente selecionou, sinto até seu “cheiro” – como o de mato fresco sendo capinado nas leiras de café logo pela manhã!
   Creio que por esta época deveria ter uns cinco ou seis anos de idade. Infância pobre e solitária naquele fim de mundo com poucos recursos ou diversões. Morávamos num sítio arrendado, numa cidadezinha no interior do Paraná, chamada Tamboara.
   Nossa casa era de madeira, construída sobre toras fincadas no chão, que serviam de alicerce. Era toda de assoalho rústico e sem nenhuma  pintura nas paredes. Embaixo dela, cachorro e outros animais pernoitavam e ajudavam a  cuidar do pouco que tínhamos. Na frente dela havia um grande terreirão, onde o café era secado, e uma pequena tuia.
   A vida de meus pais não era fácil. Nossa mãe tinha que lavar nossas roupas num pequeno riacho que passava longe de casa. A velha baciona, colocada na cabeça, ajudava a levar e trazer as  roupas para perto de casa, onde eram quaradas na grama. O velho ferro de passar roupas era aquecido com as brasas que fazíamos em pequenas fogueiras.
   Meu pai ia para a roça cedo: enxada no ombro, lima no bolso e um paieiro na boca! Algum tempo depois, íamos com minha mãe levar a “bóia” e a velha moringa d’água. Passávamos uma  boa parte do dia debaixo dos pés de café nos protegendo do sol enquanto nossos pais executavam suas duras tarefas na lavoura.
   No caminho para a roça havia uma pequena estrada íngreme que dava acesso ao cafezal. A certa altura dela, jazia um toco de árvore, ainda em pé, que resistia  há muitos anos naquele local. Media cerca de um metro e meio de altura e tinha uma grande parte de sua estrutura danificada pelo fogo. Imagino ter sido uma bela árvore! Ficava meio que coberto por um dos pés de café, como se este fosse seu manto! Dava a impressão que era alguém que ali estava a espreitar  quem passasse por aquela estrada.
   Criou-se um folclore naquele sítio que tal  toco era mal assombrado. Apavorava a ideia de ir levar as marmitas na roça sozinhos  sem nenhum adulto a nos acompanhar. Quando mamãe nos convocava para tal missão era um suplício! Tentávamos dissuadi-la da ideia  mas não havia jeito! No caminho, uma das mãos segurava forte no nó do pano de prato que embrulhava as marmitas e a outra era utilizada para esconder o rosto de modo a não olhar para o toco mal assombrado. Passos apressados, respiração ofegante e o coração disparado. Lá íamos nós!
   Certo dia,  quando descíamos para levar o almoço,  ouvimos uma voz saindo do toco e alguns pés de café se mexendo. Mais do que depressa saímos em desabalada carreira até chegar em casa pálidos e aos prantos. Foi marmita para todo lado. Quem teria feito tamanha brincadeira de mau gosto? Que susto! Depois desse dia fatídico juramos nunca mais levar marmita na roça! (Texto escrito por VALDINEI FRANCO, leitor da FOLHA, página 2, espaço DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 1 de agosto de 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário