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sábado, 22 de agosto de 2015

CANCRO CÍTRICO




   Tínhamos um pequeno sítio que era a “menina dos olhos” do meu pai. Tinha uma bela lavoura de café, uma pequena palhada onde plantávamos mandioca, vassoura, milho pipoca, abóbora. Mas o mais bonito era o pomar caprichosamente cuidado. Tinha vários pés de laranjas, mexericas mimosas, tangerinas (naquela época não existia poncã), lima, e outras frutas.
   Nossa casa era de peroba rosa, grande,  com vários quartos, salas e uma enorme cozinha com um delicioso fogão a lenha, uma grande mesa onde não faltava  o pão caseiro e o café. À noite, entre nossa casa e do nosso meeiro, existia uma frondosa paineira e embaixo tinha bancos onde, após o jantar, e de um dia de muito trabalho, lá sentávamos e as conversas eram colocadas em dia.
   Seo Romério, vizinho de sítio, era um frequentador assíduo do banco e sempre trazia causos muitos interessantes. Às vezes, contava histórias de assombrações que deixavam as crianças desassossegadas ao irem para a cama.
   Era muita felicidades, apesar do trabalho duro da roça. Mas nos idos da década de 1960, uma lei desastrada, criminosa, indecente e que todos diziam que era “coisa dos citricultores do Estado de São Paulo”, obrigou a destruição, erradicação de todas as árvores frutíferas do Paraná.  Que crime!
   Quando “os homens do governo” foram chegando perto da   propriedade, meu pai, inconformado, procurou um amigo, Dr. Sergio, agrônomo, para ver o que podia ser feito. Mas o amigo falou com certa dor que nada poderia ser feito, pois era lei e deveria ser cumprida.
   Chegou o maldito dia. Pela manhã, os homens, armados com machado, começaram o crime, cortando as árvores, incinerando e colocando um pó branco no tronco para que jamais voltassem a brotar. Meu velho pai, sentado na escada da porta vendo tudo, chorou como criança. Nossa mãe, abraçando o velho marido, tentava consolar, dizendo que em breve replantaria um novo pomar sob a orientação do Dr. Sergio. Jamais isso veio a acontecer.
   Passado anos, na fatídica noite 17 de julho de 1975, a grande geada acabou com todo o café do Paraná. Não sobrou um pé da nossa lavoura. Novamente, meu pai, sentado na nossa  cozinha, voltou a chorar. Dizia, “minha velha, como vamos acaba de criar nossas crianças?”. Nossa mãe dizia: “Deus proverá dias melhores”.
   Mas o tempo passou, deixamos a agricultura, o pequeno sítio e fomos para a cidade, tentar uma nova vida. Na cidade tudo era diferente para nós. Muitas saudades do sítio. Queríamos voltar, mas fazer o quê? Era impossível. E pela terceira vez vi meu velho e cansado pai chorar. Foi quando, no fim da década de 1970, Deus levou nossa querida mãe. ( SIDNEY GIROTTO, leitor da FOLHA, página 2,espaço DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 22 de agosto de 2015).



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