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domingo, 26 de julho de 2015

DO HUMOR AO ABSURDO

                 


   Henri Michaux transita com facilidade por estradas desconhecidas.


   Existem livros que raramente são encontrados no Brasil, entre eles estão os do poeta belga, naturalizado francês, Henri Michau  (1899- 1984), O que existe são, sobretudo, edições estrangeiras em sites de livros usados e custam uma fortuna, cheguei a ver livros de Michaux cotados a R$ 500,00. Consegui comprar um volume não de poesia, mas de ensaios que reproduzem vivências reais com algumas pegadas de ficção , chama-se “Um Bárbaro na Ásia”, de 1933, do qual obtive uma edição da Nova Alexandria de 1994. Trata-se de um livro de viagens de um autor que anda por países como a Índia, China, Japão, Ceilão e Malásia para relatar suas impressões com um olhar estrangeiro. Trata-se de um tema universal, o do viajante que observa o choque de costumes e o toma como objeto de divagações que vão do lirismo à crítica, da história à poesia.
   Michaux empreende sua viagem Índia com um olhar diferente daquele que normalmente lançamos à cultura dos gurus. Tomando como paradigma o humor, sem descambar para o menosprezo, ele nota como para os indianos idolatrar é uma necessidade, presente em saudações, mantras, hinos e rituais de todo tipo. É de forma divertida  que ele observa que “há vacas por todo  lado em Calcutá (...)”e que elas “atravessam as ruas, espraiam-se nas calçadas, inspecionam lojas, ameaçam o elevador, instalam-se no patamar da escada, e se o hindu fosse pastável sem dúvida seria pastado” por elas. Ele considera a vaca superior ao ser humano por uma razão muito simples: “visivelmente não procuram explicação nem verdade no mundo exterior (...) Maya, este mundo, não conta. E se come um simples tufo de capim, precisa mais de sete horas para meditar sobre o fato”.
   O evidente viés de humor não é uma crítica exclusiva aos indianos, mas a todos nós que levamos a vida a sério demais, às vezes esquecendo-nos que vive melhor quem come um tufo de capim sem considerar gravemente o fato de ruminar seu próprio alimento ou engole situações políticas e sociais que não são as mais digeríveis, mas que não devem por isso enroscar na garganta provocando mais estragos com sentimento de angústia, medo e inquietação. Quantas vezes não pensamos demais para engolir um capim amargo ou um gomo azedo da existência.
   Henri Micaux escreveu poesia e prosa sem delimitar fronteiras, não pertenceu a nenhum movimento  específico, absorveu coisas do Dadaísmo, Surrealismo, Existencialismo e do Absurdo, nesta última categoria bebeu o suficiente para dar à sua literatura um estofo de permissividade sem culpa.
  Certamente não foi um desses autores que pesam se erram ou acerta cada linha, a cada livro, parece não se preocupar muito com a opinião dos outros. Sua literatura sugere uma viagem interior que nunca termina, abrindo estradas desconhecidas para leitores curiosos ou ter com desejo de ter uma visão singular.Seus relatos de viagens são fáceis de serem compreendidos, já sua poesia é complexa e perturbadora, como se abrisse um território onde entramos com receio do mistério de nosso lado primitivo, nossa herança mítica e cheia de simbolismos. Poeta e artista plástico,  desenhava a nanquim formas que lembram hieróglifos cheios de humanidade, como pequenos seres que vão saltando do papel para celebrarem o espanto  de estarem “vivos”. Michaux parecia não fazer diferença entre arte e vida, nos confundindo e conduzindo a enigmas que não precisam ser decifrados. Há mistérios na linguagem que devem permanecer como são, à meia-luz do encantamento, como uma veia que pulsa sem que a gente precise  cortá-la para saber que sangra. (
celiamusilli@terra.com.br
, página 4, FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, publicação do JORNAL DE LONDRINA, domingo, 26 de julho de 2015).   

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