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domingo, 3 de maio de 2015

DO QUE NÃO SE SABE



Em dias insanos, recomenda-se abaixar o volume do orgulho e viver como os passarinhos.

   Outro dia ouvi um geólogo explicando que a ciência pouco sabe da Terra, com toda pesquisa o conhecimento não ultrapassa a superfície, é como entender o que acontece na casca de uma laranja ou, no máximo, naquela parte branca, sem adentrar os gomos. Repetiu que Terra é feita de placas encaixadas como os cascos da tartaruga e quando as placas se movem acontecem os terremotos como este do Nepal no qual penso sempre que acordo, acendendo velas mentalmente para seus quatro mil mortos.
   Ele também falou da erupção dos vulcões, lembrando o caso do Cabulco, no Chile, cujo nome me lembra  “caduco”, palavra relacionada à falta de memória que nada tema ver com vulcões que expelem lavas, a cada vez que disseminam o pânico e espalham as cinzas. As “chaminés vulcânicas” liberam gases de enxofre, eles são tóxicos por natureza, algo assim como as pessoas mal humoradas ou que fazem julgamentos ácidos, têm ataques de raiva, incitam a violência sem ponderar se os alvos são mulheres, crianças ou professores. Pessoas assim sofrem de um destempero, de um desgoverno duro de se tratar e, a exemplo da Terra, nada sabemos além do seu magma abaixo da crosta. O que significa bem pouco.
   Outro dia também ouvi de uma amiga um relato impressionante, contou da tia psicótica que sofreu um surto há 30 anos e a família foi chamada depois que ela passou uma semana trancada em casa e os vizinhos sentiram sua falta. Os pais a encontraram sentada desenhando mapas, julgava-se a comandante de um navio e seus tripulantes eram galinhas mortas que ela havia amarrado em volta da mesa. Transformou-se assim, num capitão, até os parentes interromperem sua viagem sem poder fazer nada pela tripulação. Que cena!
   Entre as histórias de loucura, também soube da mãe que não reconhecer o filho recém-nascido, da mulher que pulou num rio incorporando Ofélia – a mítica personagem de Shakespeare – do homem que mantinha acesa todas as lâmpadas da casa  achando que era o “acendedor do Sol”, embora não andasse além do raio de um quarteirão em seus dias sem luz, consumido por um sentimento cada vez maior de abandono, até morrer aos 89 anos.
  Então, fiquei pensando que nada sabemos sobre esferas importantes da vida. Nada sabemos sob a bola terrestre sob nossos pés, nem acerca da bola que mantemos sobre nosso pescoço. O que mais temos é vaidade e certezas que “rondam” quando a grande tartaruga se move desencaixando as placas ou nossos processos mentais nos  embarcam na ilusão de  capitanearmos navios dos quais não temos o menor controle. Ignoramos as profundezas da Terra e da própria cabeça, vivemos entre as bola sem compreender suas curvas. Recomenda-se abaixar o volume do orgulho e viver como os passarinhos. Isso é sábio, o resto são esferas insondáveis, das quais não conhecemos o fundo. ( Texto de CÉLIA MUSILLI, celiamusilli@terra.com.br  página 2 do caderno FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI,  publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 3 de maio de 2015).

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