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domingo, 3 de maio de 2015

ARTESANETO


   Sou um herói: fiz um estilingue para o neto.
  Caetano olhou nos olhos quando perguntei o que queria de presente.
   Um estilingue, vô – o olhar faiscando.
   Oposição geral da mãe e das avós cerrando fileiras: estilingue jamais! Pra que, matar passarinho? Ou pra quebrar vidraça?!
   Ora, falei não  é só Caetano querendo o estilingue, é também o caçador ancestral nele, e também o moleque de quintal, a origem rural. E não falam tanto da importância dos rituais de passagem? Mas os meninos têm também o arsenal de passagem: da espada de  plástico ao ao revólver de munição inesgotável, passando pelas lanças de cabo de vassoura e pela atração por faca e canivete, menino cresce entre armas.
   Sem homens armados para caçar e defender a família, lá no tempo das pedras, a gente nem teria chegado aqui!
   Além disso, vida é experiência: como alguém vai superar as armas se nem as conhecer? E quem sabe o que um guri pode aprender com o estilingue?
   Vencida a guerra verbal, fui caçar forquilha. Achei na jaboticabeira, já antevendo o estilingue. Cortei com serrinhas e, no terraço, descasquei com o canivete do vô João.
   Com faca de pão, fiz as frinchas nas duas pontas da forquilha. Na farmácia peguei “tripa de mico”, a fita elástica para garrote  no braço, e na  bicicletaria  consegui retalhos de câmara de ar. Mas e couro para a lingüeta?  Uma velha botina ficou sem calcanhar.
   E fizemos o estilingue diante de Caetano, na beira de lagoa de pesqueiro, Dalva ajudando a fazer os amarrios, tudo conforme me lembro dos moleques fazendo, lá na meninice, mas eu mesmo nunca fiz e tentei fazer um estilingue. Caetano olhava atentíssimo, e eu temerosíssimo de não conseguir.
   Daí fomos almoçar, Caetano engolindo a comida para ir estilingar. Falamos tome cuidado, hem para não acertar alguém. Daí a pouco volta ele, pela mão de um senhor a perguntar:
   - Quem é o responsável  por este menino que me acertou uma pedrada?
   Pedrinha, gemeu Caetano. Desculpas, explicações. E depois, no carro de volta à cidade:
   - Aprendeu, Caetano?
   Aprendi, seu olhar falou no retrovisor, depois a voz repetiu : - Aprendi, vô.
   Falou baixinho, e eu também:
   - Sabia que você ia aprender alguma coisa com o estilingue?
   Ele voltou a colocar o estilingue como um colar precioso no pescoço. ( Texto escrito por DOMINGOS PELLEGRINI, página 14, espaço DOMINGOS PELLEGRINI  d.pellegrini@sercomtel.com.br  publicação do JORNAL DE LONDRINA, domingo,3 de maio de 2015).

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