Páginas

sábado, 25 de abril de 2015

O RUBI





   O tempo pode ser visto na sua pele. As ruas estão em todo seu corpo,  que um dia foi como uma flor, aveludada e cintilante. Mas, como um segredo, ela agora, com seus 105 anos, guarda uma alma jovem. A alegria é vista constantemente em seu sorriso, que tem vida própria nas gargalhadas da velha senhora. Conseguiu, com o tempo, guardar imensos tesouros e ao imaginar que sua ciência um dia vai se calar, nasce  uma vontade de chorar.

   Palmira, baiana, benzedeira e parteira. Entende de tudo, sua crença, casada com sua ciência, herdada de sua mãe, fez da menina uma “médica” de toda a região. 
   “Está com o vento virado, encosta na parede meu filho. Veja como você está com uma das pernas maior que a outra. Vou “endireitar” isso. Uma massagem puxando  os braços encolhia a perna maior. E lá se ia o vento que turvou a vida daquele.
   “Está com os ‘zóio” ruim filha. Entrou ar na testa. Vou fazer o benzimento  e esse carvão que está na água vai subir. Então vamos lavar seu rosto e o ar vai ficar na pedra”. E lá se ia embora toda conjuntivite. Não sei se era a água ou o carvão ou a fé. Mas sarava  todo o mal do olho.
   “Esse menino está com bronquite da braba!  Vamos  “prende” ela na parede. Encosta esse menino ali perto da porta”. Encostado na parede, o menino era medido e, logo em seguida Dona Palmira furava um buraco com uma broca com ponta. Uma mecha do cabelo era cortada e colocada no buraco e tampado com uma massa misteriosa. E lá ficava o mal do pulmão. Junto com a reza, a mãe saía com um xarope de mel de abelhas e plantas.
   O tempo começava a fechar anunciando chuva forte. E a casa da Dona Palmira era visitada pelos agricultores que estavam plantando ou colhendo. “Pode deixar, vou ‘mudá’ o rumo dessas nuvens”. E assim, as  penas de galinha eram queimadas e colocadas debaixo da peneira, virada ao contrário. Assim as nuvens entendiam o recado e passavam longe do vilarejo. 
   “Essa dor é íngua minha filha. Foi picada por algum inseto? “Fui sim, Dona Palmira”. Então vamos amarrar essa íngua”. O barbante era passado pelos braços e começava a reza. “O bem que corte? “Íngua Dona Palmira”. Assim mesmo, eu corto!”   “O bem que corte? “Íngua”. “Assim mesmo eu corto “. Dessa forma, o barbante rodeava o braço cinco vezes e era amarrado. “Quando cair o barbante todo mal vai embora filha”.
   Crianças da região, que não falavam de jeito nenhum, eram curadas com o piado do pintinho recém-chocado na boca da criança. O piado da choca soltava língua pregada. E para aquelas crianças mais preguiçosas que não queriam andar, eram cortados os primeiros passos com machado. Daí o pequeno aprendia até a correr. 
   Uma mistura de álcool com uma planta chamada Rubi era usada para limpar ferimentos. Hoje sei que o tal “Rubi” tem valor antisséptico.
   Então não sei se era simpatia, benzimento, fé ou ciência, somente presenciei que,de uma forma ou de outra, aquelas pessoas tinham a quem recorrer na hora de sua dor. E dessa forma, eram curados do mal do corpo e da alma. ( Texto escrito por KATIA EVANGELISTA CAMARGO, leitora da FOLHA, extraído do caderno FOLHA RURAL, página 2, espaço Dedo de Prosa, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 25 de abril de 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário