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segunda-feira, 9 de março de 2015

BANALIDADE MUITO ALÉM DA MERCADORIA


          A FRASE “Vem Ni Mim Que Eu Tô  Facin”, estampada numa camiseta infantil, corrobora a falta de ética e a indigência cultural do País “


   Esta semana abriu-se outra polêmica em relação às camisetas vendidas no site de Luciano Huck. O apresentador do Caldeirão viu-se de novo no centro da fervura pelo anúncio de uma camiseta infantil com a frase “Vem Ni Mim Que Eu Tô  Facin, destinadas a meninas de 2 a 12 anos.
   A frase de inegável mau gosto fere toda a compreensão ética em relação à sexualidade feminina, sobretudo quanto aos cuidados que se deve ter com as crianças. Os casos de pedofilia e prostituição infantil no País são assustadores e acontecimentos recentes voltaram a nos assombrar, ainda mais quando sabemos que este tipo de crime é incentivado subliminarmente. A falta de ética também banaliza a relação entre os sexos e abre a brecha do desrespeito à infância.
   Uma saraivada de críticas fez o apresentador retirar a mercadoria do site com o usual pedido de desculpa. Não é a primeira vez que ele teve que ceder à pressão popular que tomou as rédeas sociais, com pessoas abominando a frase e o contexto em que foi aplicada. Em outra ocasião, a frase “Somos Todos  Macacos”numa camiseta, incitou protestos contra o racismo. Luciano Huck nunca soube discernir  humor  de ofensa, é mais um bobalhão televisivo, incentivador de desafios bregas e quadros repletos de sandice, fórmula consagrada na televisão brasileira.
   Completamente de acordo com os últimos protestos, não deixo porém de notar que esta medida paliativa de suprimir a venda de uma mercadoria de mau gosto é apenas a ponta do iceberg  de uma derrocada de valores  que está estampada não só em camisetas, mas nos comportamentos e nos  nossos sofríveis padrões culturais. A frase “ Vem Ni Mim Que Eu Tô Facin  foi o grito de guerra das mulheres dispostas ao beijaço no último carnaval. O desrespeito, portanto,  tem antecedentes, mais que isso, raízes numa cultura que desvaloriza a mulher num contexto de “pegá-las” pela facilidade.
   Um das maiores vergonhas do Brasil atualmente é a falta de ética, que é diferente de moralismo.  Ética implica em valores, moral em tabus e preconceitos. Uma vez derrubado os tabus que colocavam a mulher em situação  de subserviência, é fundamental fortalecer a ética e isso não se dá com censuras depois do estrago feito: o sentido de uso da mulher, colocada nesta frase de forma coisificada para o sexo , estava em milhares de bocas muito  antes da camiseta aparecer, era um chamado geral a um tipo de liberdade destrutiva  que não só arranha imagens, mas fere a delicadeza nos processos de sedução e conquista.
   “Vem Ni Mim Que Eu Tô Facin” é uma frase pobre que corrobora a desvalorização da mulher em outros contextos onde ela continua como a principal vítima de uma liberdade de araque. Uma frase que é a variação de “Vem Ni Mim Que Sou Facim”, refrão de uma música gravada por ninguém menos que Dado Dolabella, ator que ganhou fama mais por agredir mulheres do que pelo talento artístico.
   A letra confirma a indigência cultura do País a partir do que se oferece como “música” já na primeira estrofe: “Quando eu vejo uma mulher, viro o diabo/ Não tem uma que eu não fique apaixonado/ Mas se ela tem namorado / E pula a cerca mesmo assim/ Vem ni que eu sou facim”.
   Além da pobreza estética, trata-se da consagração do machismo pela fama do sujeito mulherengo, que não resiste a um rabo de saia. Não consigo enxergar sequer humor numa composição  tão baixa, tão massificada, feita para ferir ouvidos nestes carros de som que poluem as cidades em altos decibéis, obrigando a todos os cidadãos a compartilharem o mau gosto . A poluição sonora é crime previsto em lei, ainda assim há quem não se contente em ouvir sozinho este apanhado de besteiras vendido como “música”.
  No funk o conteúdo é igualmente agressivo, as mulheres são tratadas como “cachorras” perderam o senso de seu real valor, praticam com gosto a ostentação de ser objeto. Não sei se existem  saídas, torço pela educação dos sentidos, dos olhos, dos ouvidos. Retirar camisetas das prateleiras não basta. É preciso preencher o vazio cultural com sinais de inteligência. Numa sociedade acéfala, a sensibilidade sempre será um luxo. ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI,   celiamusilli@terra.com.br, extraída do espaço CÉLIA MUSILLI, pág. 4, FOLHA  2,  publicação do jornal  FOLHA DE LONDRINA, domingo, 8 de março de 2015). 

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