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domingo, 15 de fevereiro de 2015

A FÉ NO SEU LUGAR



     12 de fevereiro  é considerado o Dia do Orgulho Ateu, nem sabia que existia esta data escolhida em homenagem a Charles Darwin , que nasceu neste dia. Não sou atéia, aliás, a minha crença é uma galeria panteísta – mas prefiro os ateus a Bolsonaros,  Felicianos  e Eduardos Cunha que hoje infestam o Congresso com preconceitos que parecem de origem religiosa, mas acho que não passam de limitação mesmo. Um fato importante sobre o movimento ateu é que ele luta pelo Estado laico, bandeira que em tempos conturbados serve de ponto de reflexão num mundo tomado por “estados islâmicos” que subtraem de Deus o que ele pode oferecer de melhor: o amor a todas as criaturas, que partilham ou não das mesmas crenças. A idéia de fé perde o valor se não houver amor, como ensinou São Francisco de Assis.
     Não aprecio muito esta história de datas, mas o Dia do Orgulho Ateu foi propício às pessoas se manifestarem contra o preconceito que sofre também quem não acredita em Deus.  Eu, como disse, tenho alma panteísta, acredito que os deuses se adaptam às culturas ou vice-versa. Tudo tem valor se for para reforçar tão somente o sentido de “humanidade”. De manhã, sou xintoísta, acordo em reverência total à natureza – à tarde, no intuito de perdoar as contrariedades, me torno cristã. À noite, sou tomada por compaixão budista depois de observar as falhas humanas. Minha fé é pluralista. Acham também que eu iria perder toda beleza e a bênção dos orixás?
     O Brasil tem 0,39% de ateus e agnósticos, segundo o censo de 2010 do IBGE. Eles reivindicam um feriado no calendário, o Dia do Ateu, porque se sentem discriminados  e querem sair do armário. Sim, há quem faça cara feia quando alguém declara que não acredita em Deus. Engraçado que não tem a mesma reação se alguém declara que não acredita no diabo.  Esta turma não compreende a dinâmica do pensamento dialético
     Falar sobre Deus e as religiões é tocar numa teia delicadíssima, mas acho importante como exercício filosófico. Pessoas livres não se esquivam de pensar sobre nada, não será com a repressão ao pensamento que ele irá evoluir. Então, acredito que é importante pensar sobre tudo, ainda que isso ameace os que não conseguem  pensar “fora da caixinha”. Uma onda de pânico se levanta quando a gente toca em determinados assuntos, pânico e resistência, com cada um defendendo aquilo que precisa acreditar.  Acredito mesmo que a fé é um pilar que sustenta  as pessoas. Mexer nessa estrutura é sempre  um risco, mas nada evolui sem ousadia.
     O filósofo americano Michael Largo, autor de “Lunáticos por Deus” (editora  Lafonte), participou de cultos e freqüentou todos os tipos de religião. Concluiu que a idéia das religiões teve origem no medo da morte. Na Antiguidade, a mortalidade era muito precoce, houve épocas em que as pessoas morriam em torno dos 18 anos, os parentes olhavam o corpo sem vida e perguntavam: “para onde vai este ser querido?” Criaram-se assim os cultos da morte – que derivariam para as religiões – como forma de consolação.
     Na verdade, não há como negar a idéia de que Deus  conforta, o que não é suficiente para convertê-la numa espécie de tabu. Há medidas para tudo, de valores e crenças até torcida de futebol. Cada um abraça a fé conforme as  necessidades. Talvez minha coerência seja manter a dúvida até o fim. Intrigante é saber que Charles Darwin, que revolucionou o cristianismo opondo-a ao princípio da evolução das espécies, tenha morrido abraçado a uma Bíblia. Não estranho, ele era um anglicano. Só que no meu pensamento cada um morre abraçado ao que lhe conforta. Sei de uma pessoa que morreu abraçada  a um instrumento musical. O que o homem não pode é achar que é superior pelo seu tipo de fé ou dogma. Há uma perspectiva, por exemplo, do pensamento indígena, que subverte esta ordem das coisas, considerando que a espécie humana evoluiu para espécies animais, o que inverte a nossa ótica. Não podemos ser vaidosos a ponto de cultivarmos a idéia de Deus, ou mesmo das religiões, para consagrar nossa “superioridade” sobre outras pessoas ou até mesmo outras espécies.  Como disse Darwin, invertendo a lógica da extrema importância que a humanidade dá a si mesma: “O homem, em sua arrogância, pensa de si mesmo como uma grande obra, merecedora da intervenção de uma divindade.” Coisas a se pensar. ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI,
celiamusilli@terra.com.br , extraído fa Folha 2, pag. 4, espaço CÉLIA MUSILLI, publicação da FOLHA DE LONDRINA, domingo, 15 de fevereiro de 2015).   

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