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domingo, 16 de novembro de 2014

O POBRE GARNISÉ DO PADRE CHICO

     Todos os dias após o almoço  eu descia até a horta para beber água geladinha  de uma mina que ficava perto da casa onde morávamos. Esta mina d’água brotava em meio a uma pequena vegetação de chão arenoso. O fio d’água corria mansa e cristalinamente até um tubo de concreto enterrado no chão onde era armazenada.
    Esta mina abastecia  também um lago construído abaixo para aproveitar este recurso divino! Depois de cheio, o lago movimentava uma pequena bomba d’água que mandava o líquido precioso até nossa caixa  distante uns bons metros acima. Que espetáculo  ver a roda d’água e a sincronia de movimentos de suas peças bombeando água límpida para nosso reservatório.
     Bebíamos todos os dias água da mina! Tomávamos banho com água da mina – que luxo! Neste local já tinha escondido a minha caneca de alumínio, indispensável para apreciar esta maravilha  e sentir o líquido geladinho vertendo da terra!
     No pequeno lago que se formava abaixo da mina, criávamos gansos imperiais e marrecos. Os gansos eram lindos: plumagem  brilhante  e colorida e jeito elegante de caminhar. Enchia os olhos ver aquelas belas  aves flutuando na água – muitas delas também eram servidas como delicioso almoço aos domingos!  Uma iguaria!!
     Eu cuidava da horta dos padres, afinal grande número de seminaristas requeria uma alimentação e tanto Plantava de um tudo: alface, couve, beterraba, nabo, rúcula, alho, pepino, cebola, acelga, rabanete... o que ia para a nossa mesa era retirado da terra sem custo algum a não ser nosso trabalho!
     A parreira de maracujá era linda!Parecia uma árvore de Natal quando os frutos ficavam amarelinhos e caíam ao chão. Que bela  colheita fazíamos todos os dias! Mas... (tem sempre um mas) quando  chegava na horta para iniciar meu período de trabalho, me deparava com uma cena que me irritava demasiadamente:  algumas de nossas aves pulavam a cerca improvisada e comiam parte da plantação de hortaliças. O trabalho de meses era devorado em instantes  pelo apetite voraz dos bichos !  Comiam principalmente as mudas novas que deveriam ser transplantadas. Para espantá-las , gesticulava, gritava o famoso “xô” , jogava pedaços de galhos ou até o que estava à disposição, com o intento de vê-las  longe de minha horta.
     Numa dessas invasões  notei que havia sempre um em especial que parecia líder do bando de “ladrões”! Era um garnisé que um dos padres havia ganhado de uma senhora sexagenária. Vivia  como rei entre as fêmeas e demais aves. E o que era para ser apenas uma medida de afugentamento   acabou se tornando uma “tragédia”:  Um pedaço de tijolo arremessado a esmo  foi um golpe certeiro no galinho do padre Chico.
     Pobre galináceo! Tombou desfalecido! Não havia o que fazer! Desesperado, ao vê-lo inerte e constatando o óbito, tratei logo de providenciar o féretro bem longe da horta com direito a cruz de madeira e oração em latim: “ requiescant  in pace, amém”! – que Deus me perdoe por isso!!!
     Até hoje padre Chico não sabe qual foi o paradeiro de seu galinho de estimação. Sempre que ele descia na horta para ver nosso trabalho, perguntava se havia visto o seu “penoso”. Minha voz saía meio gaguejante e respondia que havia dias que não o via! E assim foi o triste fim desta pobre “alma” que furtivamente comia nossas plantas! Espero que o padre Chico, ao ler esta história, me perdoe pelo “crime”! Amém!  ( Texto escrito por VALDINEI  FRANCO. Leitor da FOLHA. Extraído da FOLHA RURAL, espaço  DEDO DE PROSA, publicado na FOLHA RURAL, FOLHA DE LONDRINA, sábado, 15 de Novembro de 2014).

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