Páginas

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

ESTA SENHORA


     É realmente estranho sentir-se jovem e, ao se olhar no espelho, se deparar com uma senhora de 58 anos... Chega a ser chocante, e até meio angustiante, esta  colisão entre o que se sente e o que se vê.  Não digo que a gente não sinta os efeitos da idade, mas mesmo assim não posso evitar sentir-me impactada ao encontrar esta mulher tão mais velha do que eu me sinto...
     Talvez a minha juventude “subjetiva” venha dos meus olhos – e não só do seu brilho, mas do seu olhar, do jeito em que enxergam o mundo – talvez do fato de ter tantos planos, sonhos e  objetivos.  Talvez  por me manter  ainda  tão ativa e criativa ( apesar de que tem vezes que me custa um pouco, preciso admiti-lo). Talvez por me sentir apaixonada, empolgada, feliz com o que tenho, com o que consegui, com que sou e faço.
     Pode ser também que a juventude que sinto em mim  venha dessa vontade de ajudar. De aprender, de crescer, de procurar e vivenciar a felicidade, de curtir o tempo, os encontros, as lições. Sinto que ainda vive em mim aquela garotinha atenta e magicamente surpresa pelos milagres de cada dia, que aguarda com fé e conversa com Deus sem fórmulas nem receios.
     Apesar da  experiência , a dor e uma certa crueldade e  calculismo que o tempo possa ter me trazido,  sei que ainda conservo um alto grau de inocência e ludicidade, que tornam minha vida  otimista e aberta à aventura, à exploração, à novidade do banal e das pequenas coisas.,,
     Então, com toda essa carga interior, que sei se reflete em  minhas  atitudes, é sumamente estranho  me olhar no espelho  e ver esta senhora olhando para mim com aquela cara de surpresa. Porque meu coração diz uma outra coisa, com certeza. Em quem devo acreditar, então?
     Pois  sem importar o que sinta, o fato é que o tempo passa e é desse jeito que apareço para o mundo. Então me pergunto, olhando no  fundo dos meus olhos brilhantes no espelho no fim, quem ganhará? É claro que não se pode esquivar a morte, mas suponho que não é isso que importa  e sim como enfrentá-la...  Então, que venha gentilmente e me leve, num abraço reconfortante e cheio de promessas, com a certeza de um reencontro com aqueles  que amei.
     Será que todos os que estão ficando velhos têm este tipo de pensamentos? Tomara que sim, porque são muito reconfortantes.  ( Crônica escrita por PAZ ALDUNATE, professora, escritora e artista plástica em Santiago, Chile – publicado na Folha 2 do jornal FOLHA DE  LONDRINA, quarta-feira, 24 de Setembro de 2014)

Nenhum comentário:

Postar um comentário