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terça-feira, 20 de maio de 2014

BENDITA SIMPLICIDADE

Hoje há uma preocupação tremenda com a segurança alimentar e o valor nutricional da comida que colocamos no nosso organismo. Desde a escolha do alimento até o modo de preparo. Desde a simples vontade de comer um doce à culpa imediata por comê-lo quase sempre para aliviar um momento de estresse.
Mas ao lembrar dos almoços na casa da avó quando era pequena, do avô pedindo um toucinho torradinho para incrementar o arroz e feijão de cada dia, percebo que saudáveis eram eles, que se alimentavam do prato básico do brasileiro, acompanhado basicamente de verduras cozidas e, quando sobrava um dinheirinho, um bife. Sobremesa era fruta. E não podia faltar um pão com manteiga e café quentinho nos lanches da manhã e da tarde.
Minha avó me conta que ao crescer na casa comandada pela mãe italiana, que tinha que alimentar os oito filhos com o pouco dinheiro que o marido português trazia da fábrica de velas, não podia existir desperdício. E mesmo na metrópole, o quintal da nona em tudo lembrava um sítio.
Lá tinha galinha, porco, hortaliças, ervas e frutíferas. A nonna degolava a ave, matava o suíno e guardava a carne em sua própria gordura, em latões grandes. Como aprendeu nos tempos em que chegou da Itália direto para os cafezais do interior de São Paulo. Quando ela e o pai eram colonos numa fazenda.
E a minha avó conta, salivando, como era gostosa a comida preparada pela mãe italiana, que foi até cozinheira numa mansão na Avenida Paulista, onde conheceu o futuro marido português.
Na época da nonna, tudo era feito com gordura de porco e alimentos frescos da horta dela e dos vizinhos. Nada industrializado. Até a polenta e o macarrão caseiro eram especiais , preparados carinhosamente pelas mãos da matriarca, que caprichava no molho de tomates apurado por horas. Como recompensa, a nona morreu aos 94 anos, em paz com o vilão colasterol.
Minha avó, seguindo os ensinamentos da mãe, sempre alimentou os filhos com comida caseira, ainda que nunca tenha morado no sítio. Preparava arroz fresquinho no almoço e na janta e nunca faltou feijão temperadinho para acompanhar. O marido gostava de uma lingüiça frita e os netos, da polenta e da carne assada com batatas, que a nona deixou de herança e até hoje dá água na boca. Com 81 anos, minha avó tem uma saúde de ferro e um fôlego tremendo para as tardes de baile. Seu prato preferido ainda é o arroz e feijão , com toque da conserva de pimenta que ela mesmo prepara. Simples e saboroso. A mesma combinação que dividia com os irmãos, que preparava para os filhos e que ensinou os netos a comer. Bendita simplicidade. ( Texto escrito por MARIANA GUERIN, JORNALISTA DA Folha de Londrina. Extraído do espaço dedo de prosa, no caderno FOLHA RURAL, DO DIA 3 DE Maio de 2014, sábado. )

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